sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O NATAL



Olá, há quanto tempo eu não apareço por aqui! Aconteceu tanta coisa, mas hoje só vou contar a mais importante, que foi há uns dias. Depois eu conto mais.

Depois de muitas aulas e de conhecer vários lugares deste mundo enorme, encontrei um passarinho amarelo que me disse que o Mocho estava me chamando lá em sua árvore.
Fui e notei logo ao chegar que ele estava diferente. Suas penas marrons estavam meio azuladas e as pintinhas pretas de suas asas brilhavam num tom de ouro que parecia um manto de estrelinhas.
Seu olhar, que já era profundo, estava mais ainda. Parecia que me atravessava, como se eu fosse transparente e, em volta dele tudo estava muito silencioso, as folhas, galhos, ramos, estáticos, pareciam borrados enquanto só a figura do Mocho era nítida, como eu nunca tinha visto.
Sem sequer mexer o bico, suas palavras ecoaram na minha cabeça:
-- Não se assuste, Ding, é assim mesmo.
-- O que? Balbuciei.
-- Chegou a hora do Natal, siga-me.
E voou um voo estranho, sem o bater de asas, sem sequer abri-las, passou por mim flutuando. Passou por mim literalmente, atravessando meu corpo, o galho onde eu estava e tudo mais.
Voei rápido atrás dele e senti que não precisava fazer esforço como seria o normal.
Chegamos quase que instantaneamente àquela clareira onde eu conheci Os Males, lembra? *
Estava vazia.
Mocho parou no ar, flutuando sobre a pedra grande, girou ao mesmo tempo que seu corpo acendia e as estrelinhas douradas do seu manto, agora muito azul emitiam mais luz; e pousou suavemente na pedra.
Eu sabia, instintivamente, que deveria pousar na pedra menor, em frente, e, dali, assisti à cena de seu pouso suave e silencioso. Sua voz, agora mais profunda ecoou na minha cabeça:
-- Ding!
Abri ainda mais meus olhos e fiquei esperando. Apesar da estranheza da situação, eu estava muito tranquilo, achando tudo lindo.
-- É chegada a hora de você receber sua última lição como um simples passarinho. Todas as provas mostraram que o amor que guia seu coraçãozinho te tornaram digno de evoluir. Agora, depois de conhecer o funcionamento do mundo e saber que tudo, tudo no mundo, manifestado ou não para as capacidades dos sentidos, tanto humanos quanto animais - que são, em geral, mais apurados, tudo, repito, evolui.
-- Estas pedras mesmo, onde estamos pousados, evoluem lenta e determinadamente. Continuou.
-- As árvores cujas folhas parecem congeladas sem o vento, a grama, estas belas florinhas que enchem este ambiente com seu perfume suave, mesmo o mato, estão vivos como as pedras, olhe!
Olhei! E vi, como nunca tinha visto antes, as pedras pareciam vivas mesmo imóveis, havia movimento de pulsar de minúsculas partes dentro delas.
-- Sim, Ding! A voz reboou na minha cabeça. -- Estão vivas, as pedras. O que você vê são os movimentos dentro dos átomos. Um dia, num futuro que não se pode precisar, você conhecerá os conceitos desse movimento contínuo e imortal.
-- Observe as plantas!
Olhei com mais força e vi cores e luzes expandindo para fora das folhas, riozinhos de luz correndo dentro delas, mesmo na mais ínfima folhinha de grama a vida era igualmente pulsante e poderosa. Meus olhos pareciam esbugalhados com tanta beleza. Vira tanto esses seres e nunca enxergara assim, tão vivos. Mesmo as folhas das árvores não mais pareciam congeladas, mas pulsantes, moviam-se de modo que eu podia até adivinhar seu prazer em estarem vivas, manifestando sua luz.
A majestade das árvores as tornava mais altas, corriam rios luminosos dentro delas, pelo tronco, aos galhos, ramos, folhas e uma luz ultrapassava seus contornos. Aí, pude ver sobre a árvore que estava mais à frente, um belo ser luminoso e reconheci ser uma dríade *.
-- Há mais, Ding! Trovejou a voz do Mocho.
-- Os animais, que também evoluíram desde o reino mineral e vegetal, continuam evoluindo. Dentro de cada espécie, uma alma-grupo existe. Você se conecta com essa alma do grupo a que pertence todo o tempo, sem ter consciência. A isso os humanos chamam de instinto. Veja!

E eu vi! Vi, cheirei, senti o gosto, senti os medos e alegrias, as sensações em minhas patinhas das rugosidades de todos os tipos de galhos, pedras, areia, terra onde todos os papagainhos tocaram em todos os tempos. Aquilo que eu fazia naturalmente agora me chegava com sensações. Percebi porque eu sentia medo de corujas e outros predadores, era como se eu estivesse revivendo os sofrimentos por que passaram todos os meus ancestrais, eu via e sentia!
Vi e entendi como nunca antes tinha percebido. Vi humanos colocando seus dedos para que eu subisse, não era eu, mas era. Senti aquela mesma sensação de segurança e carinho que eu tive pelo meus humanos, na pele daqueles pássaros que eu vivia agora. Um turbilhão! Meu coraçãozinho transbordava.

-- É, Ding! Há mais! Falou o Mocho.
-- Depois de tanto sentir, vem a compreensão, nasce a mente, que já era semente em você. Agora, que você sentiu tanto, percebeu tanto, receberá a mente.
-- Como? Balbuciei. (Nossa! eu não falei, mas pensei e, sem sequer abrir o bico, meu "como?" reverberou fora de mim, eu pensava!)
-- É o Natal! E o Espírito do Natal virá entregar sua mente.
Aquelas palavras pareciam anunciar a entrada de um convidado especial em uma cerimônia muito importante. Comecei a sentir novamente aquela mesma sensação deliciosa que sentira quando conheci os Males ali mesmo naquela clareira. A mesma nuvem rosada tomou conta do ambiente, um perfume inebriante rescendeu no ar. A luz dourada que já conhecia subiu como uma plantinha que nasce do chão, e transformou-se no mesmo ser que eu já tinha visto antes, com seu manto de luz e a luz intensa muito branca no lugar do seu rosto.
-- É o Amor! Falei, desta vez abrindo demasiadamente meu bico.
-- Eu Sou! Falou o Amor. Eu Sou em você agora.
-- EU SOU O QUE O CRIADOR É. LOGO:
EU SOU O AMOR NESTE SER.
EU SOU A ENERGIA NESTE SER.
EU SOU A CARIDADE NESTE SER.
EU SOU O EQUILÍBRIO EM CADA SER.
EU SOU A SAÚDE EM CADA SER.
EU SOU DEUS EM AÇÃO NESTE SER.

Fiquei estático enquanto aquela sensação penetrava em meu ser. Aquelas palavras, ainda incompreensíveis pra mim, ecoavam.

O Mocho, agora ao meu lado, sorria.
-- Ding, este é o seu Natal. Quando evoluímos nos tornamos a manjedoura onde vem nascer nossa individualidade. Agora você não está mais vinculado. Sua alma é única e vai evoluir separadamente. A partir de agora sua mente existe e vai achar que está separada do Amor, este Eu Sou que lhe pertence. Você está conectado agora à Fonte Original, mas vai se esquecer disso porque seu novo atributo, chamado ego, vai desenvolver uma maneira de se portar chamada egoísmo, que vai trazer muitas provas e sofrimentos e, vida a vida, vai te trazer de volta a esta clareira e à compreensão de que aquele que aqui nasceu em você hoje é uno com você, como ele mesmo disse: Eu Sou em você.
-- Você vai esquecer disso, repetiu. Vai esquecer, mas vai lembrar algumas vezes. Vai sentir um vazio em você e isso fará com que você, durante muitas eras, procure fora de você, em outros e em outras coisas, objetos, em ideias, aquilo que na verdade estará sempre em você, apesar de sua mente que agora debuta levar você a acreditar que Ele, seu Eu interior, está se-pa-ra-do de você. Mesmo alguns humanos te farão pensar que eles são Ele ou Seu representante e você acreditará. Ainda assim, você terá momentos de dúvida e voltará para seu Eu verdadeiro, ainda que ache que ele está separado de você. Isso se chama oração.

Eu acompanhava todas essas palavras com uma percepção diferente, entendia isso e me intrigava apenas a insistência do Mocho de que eu ia me esquecer disso. Eu não ia. Sabia que não ia. Mas, mesmo assim, tinha que acreditar nele.

-- Ding! Continuou Mocho. Como antes você estava conectado a uma alma-grupo, agora seu novo veículo te faz conectado com a Mente Universal. Existe uma matéria pensante da qual todas as coisas são feitas, e aqual, no estado original, penetra e preenche todos os interespaços do Universo. Um pensamento, nessa substância, produz a coisa imaginada pelo pensamento.

Eu me lembrava de já ter ouvido isso numa das lições dos humanos. Agora eu compreendia. Parecia que agora podia ver com outros olhos o que antes parecera tão difícil de entender.

-- Nesta hora, continuou Mocho, você recebeu uma nova faculdade junto com a posse da mente individual. Isso se chama Livre Arbítrio. Significa que a partir de agora você pode fazer tudo o que quiser, tudo mesmo. Nem mesmo o instinto que antes te dirigia e te ligava a um grupo dos passarinhos agora pode interferir. Nem mesmo um conjunto de pensamentos e imagens que você vai criar, chamado de Princípios, poderá interferir nas suas decisões.
-- Sim, agora, seu Livre Arbítrio passa a ser a lei e todas as suas ações serão baseadas em suas Decisões. Agora, e em diante, tudo o que você Decidir fazer, ser, pensar, agir, imaginar, querer, desejar serão de única e definitiva responsabilidade sua. Para cada ação, pensamento, desejo seu corresponderá uma responsabilidade pelos efeitos que essas causas causarem no ambiente, nos seres, nos humanos e na Mente Universal, seja para o bem, seja para o mal. Isso se chama Carma. Cada ação, pensamento, sentimento, desejo e suas respectivas responsabilidades serão registradas em sua mente e, paulatinamente, em função daquilo que elas provocaram, produzirão condições, situações e ações reativas dos meios onde você funcionar, que poderão ser de prazer ou de dor, de culpa ou contentamento, de alegria ou de tristeza, de acordo com a natureza das causas.

Eu acompanhava essas explicações sem medo porque o Amor ainda estava presente, apesar de eu sentir aquele calor e aquela luz dentro de mim.

-- EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA. NINGUÉM VAI AO PAI SENÃO POR MIM. Reverberou aquela voz dentro de mim.

-- É, Ding! Falou o Mocho novamente, como para explicar. Há mais, além da mente. Há mais, depois que você compreender e empreender sua evolução individual. São os chamados Mistérios, que já mencionei em outras vezes. A seu tempo, cada coisa, cada lição.
Tudo o que você empreender daqui para frente serão lições. Te levarão para longe de seu entendimento da Unidade, mas te trarão de volta, através das consequências de seus atos, pensamentos, sentimentos e desejos. Esse processo se chama desapego. Mas você vai esquecer. Depois vai lembrar.

Ainda, a sensação estava presente. Eu me sentia flutuar quando tudo foi voltando ao costumeiro, o vento voltou a balançar as folhas das árvores enquanto aquela presença ia se esvaindo, como que evaporando, o ar em volta foi descolorindo do seu tom rosado, o perfume ainda evolava à nossa volta, mas mais fraco, dissolvendo-se na atmosfera. Apesar de não ver mais o Amor, eu sentia sua presença, como nunca sentira antes.

-- Já está fazendo efeito, seu ego. Falou Mocho, agora da maneira usual, pelo seu bico sorridente. Suas penas voltaram à cor normal e aquele seu jeito astuto e gozador estava de volta. Perdera a cerimônia.

-- Mocho! Falei. Que aconteceu? Eu estava estupefato.
-- Feliz Natal! Respondeu ele sorrindo.


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terça-feira, 4 de outubro de 2011

São Chico


Voltei! Fui passear em outras paragens nas minhas voanças pelo aquém do além.
Encontrei uns humanos vestidos de marrom e com um corte de cabelo esquisito. Achei que estava de volta à terra da matéria densa, mas depois vi que não era bem isso.
Esses humanos que eu vi estavam trabalhando, ajudando outros humanos.
Eles sorriam pra tudo e todos e pareciam felizes em sua faina, abraçando os desvalidos da sorte, andrajos, dando-lhes coragem e alimento.
Perguntei a um deles o que estavam fazendo ali. Trabalhando, respondeu.
-- Trabalhando em que?
-- Na obra de nosso querido S. Francisco, ajudando os necessitados, doentes, carentes de amor do próximo, caídos.
-- Obra? O que vocês estão construindo?
-- Dignidade.
-- Quem é esse Francisco?
-- Aquele cuja imagem você usa no seu blog.
-- Quem? Aquele santinho?
-- Sim, ele mesmo!
-- Eu gosto dele!
-- Eu também! Tenho aprendido muito com ele sobre o Amor.
-- Onde eu posso encontrá-lo?
-- Além do meu coração e dos outros devotos? Não sei, acho que ele tá presente em todo humano que ajuda outro humano e que ama os animais.
-- Uau! Eu queria fazer uma entrevista com ele pro meu blog.
-- Olha, passarinho, você pode encontrá-lo pensando nele, fechando seus olhinhos e fazendo a oração dele.
-- Que legal, você me ensina? Eu ainda não sei pensar, mas já aprendi o que é imaginar.
-- Ensino sim, mas pode ser outra hora?
-- Pode. Mas, me diga, por que você usa essa roupa?
-- É nossa identidade, mostra que somos da Ordem de S. Francisco, somos frades.
-- Sei. Mas, por que você falou sobre o Amor? O que você aprendeu?
-- Você já ouviu falar dos mandamentos, conforme os católicos?
-- Não, o que é?
-- São mandamentos que o Senhor entregou a Moisés para que ele entregasse aos humanos.
-- Ah! (Cara de ué)
-- O primeiro mandamento, ordem, diz que devemos "Amar a Deus sobre todas as coisas"
-- Como assim?
-- Eu pensava que seria amar a Deus, antes de amar outros humanos ou outros seres, mas, pensando em como S. Francisco demonstrava em seus atos, aprendi que é amar a todas as coisas como divinas, como tendo Deus nelas. Amar as pessoas e os seres todos porque são criaturas de Deus e têm Deus nelas, mesmo que elas não saibam disso ou nem queiram saber.
-- Entendi. Por isso imagens do S. Francisco tem uns passarinhos nos ombros?
-- Sim, porque ele era santo, antes de ser santo ele era manso de coração e os animais reconhecem os humanos mansos e não tem medo.
-- Interessante. Eu sou passarinho e nunca tive medo de humanos.
-- Sim, mas você era domesticado, os passarinhos que vivem soltos na Seara do Senhor tem medo de humanos.
-- Como é que você sabe que eu era domesticado?
-- Se não fosse não estaria aqui falando comigo, além disso, li num blog. Rêrêrê!
-- Kikiki! (Eu ri, mas não entendi a piada) Mas, me fale mais desse Santo, eu gosto dele!
-- Eu sei! Todo mundo gosta. Ele nasceu numa cidade chamada Assis lá pelo século doze e viveu uns quarenta e poucos anos. Era filho de um homem rico e foi acostumado com as coisas materiais à vontade e também era ambicioso.
-- Então ele não nasceu santo?
-- Ninguém nasce santo, torna-se! Mas sua santidade foi adquirida com o sofrimento, depois que ele foi pra uma guerra, voltou diferente. Gastou o dinheiro do pai pra ajudar os pobres e seu pai o deserdou.
-- Deserdou?
-- É! Naquele tempo acontecia muito isso, de deserdar. Pois Francisco, que recebeu esse nome porque seu pai gostava muito da França, acabou pobre como os pobres que ele ajudava.
-- Coitado!
-- Que nada, acho até que ele gostou, pois daí em diante, aceitou muito bem sua nova condição naquela sociedade e voltou-se para Deus e compreendeu que Ser era mais importante que Ter. Passou a ajudar muito mais os pobres e os leprosos.
-- Quem eram os leprosos?
-- Naquele tempo, uma doença chamada Hanseníase acontecia muito e por ser contagiosa ao contato, os portadores dessa doença, chamada também de lepra, causavam nojo e preconceito nas pessoas e os leprosos eram pareados, separados e abandonados. Não podiam se aproximar das outras pessoas, inclusive aquelas que elas mais amavam, pois, além de serem rejeitadas, se se aproximassem poderiam ser mortas.
-- Nossa, quanta crueldade.
-- É, passarinho. Mas Francisco até beijou um leproso em sinal de amizade. Ele tinha uns 25 anos, então.
-- Então?
-- Então, quando foi deserdado, aceitou sua nova condição, renunciou definitivamente aos bens materiais e dedicou-se totalmente à vida religiosa. Fundou a Ordem dos Frades Menores e a Ordem Terceira.
-- Quanta ordem!
-- Ordem e progresso. Rêrêrê! Hoje, chamamos a Ordem dos Franciscanos, aqueles que seguem os princípios de Humildade, Simplicidade e Justiça para com todos e fazemos voto de pobreza, castidade e obediência.
-- Puxa, quanta coisa, mas, o que significam esses princípios?
-- Assim, ó! Humildade significa acolhida para escutar. Quem abre os sentidos para perceber o maior e o melhor não tem medo de obedecer e mostra lealdade a um grande projeto. Simplicidade é valor de quem sabe colocar tudo em comum, é a coragem da partilha. Justiça é transparência, castidade, verdade. É revelar o melhor de si.(*)
-- É preciso muita coragem mesmo.
-- Muita, passarinho. É uma opção de vida mesmo.
-- Puxa! Não sabia porque eu gostava tanto desse santo, agora eu sei.
-- É, querido, nós aprendemos com ele tudo isso e, principalmente, amar a Deus "sobre" todas as coisas.
-- Muito difícil pra mim, entender isso ainda.
-- Não se preocupe com isso, deixe que sua vida lhe conduza, como sempre foi. Um dia você entenderá.
-- Obrigado pela aula, seu Franciscano.
-- De nada, passarinho. Mas tome, fique com este papel, aqui tem a oração de S. Francisco.
-- Obrigado.

Sem saber o que fazer com aquilo, trouxe comigo e mostrei pro sábio Mocho, que leu:

Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.

Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,

Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.

Onde houver Discórdia, que eu leve a União.

Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.

Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.

Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.

Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.

Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!

Ó Mestre,

fazei que eu procure mais:

consolar, que ser consolado;

compreender, que ser compreendido;

amar, que ser amado.

Pois é dando, que se recebe.

Perdoando, que se é perdoado e

é morrendo, que se vive para a vida eterna!

Amém

(*) Ordem dos Frades Menores

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Morte


Depois da experiência mística do último post, fiquei ainda uns dias inebriado por aquele perfume e nem consegui responder à pergunta do Mocho.
Encontrei meu sábio amigo encarapitado no seu galho preferido, observando a passarada e de onde costuma dar seus conselhos e ensinar os privilegiados, como eu.
-- Olá Mocho! Andei pensando na sua pergunta do outro dia
-- E a que conclusão chegou, Ding?
-- Que eu, imagino que todos os passarinhos são assim, sempre vivi numa espécie de contentamento com a vida e nunca tinha me dado conta.
-- Como assim?
-- Tipo assim! Eu só sentia que tudo sempre dava certo e que sempre teria carinho, que a vida é sorriso e alegria todo o tempo, que meu potinho de sementes sempre estaria cheio, que sempre haveria água fresca pra beber e tomar banho e nunca, nunca tinha pensado nisso. Eu só sentia.
-- É verdade, quando você adquiriu direitos de se humanizar começou a pensar.
-- Uau!
-- Ding, que não nos ouçam os gansos e patos, mas, mudando de pato pra ganso, você viu quem está ali na biblioteca?
-- Nossa! Que figura estranha, parece um esqueleto vestido com um manto negro, quem é?
-- É a Morte!
-- Credo Mocho! Arrepiei aqui e meu coraçãozinho deu um pulo! Que medo!
-- Medo de que, pasarinho? Você já morreu. Por que não vai lá conversar com ela. Ela é muito sábia.
-- Mais sábia que você, Mocho?
-- Mais, muito mais. Acho que você vai curtir o papo.
E lá fui eu, certo que já estava morto porque o Mocho falou e na vida depois da morte ninguém pode temer a Morte. Cheguei de mansinho, minhas brilhantes penugens da nuca ainda em pé, o coração e outro negócio apertadinho, criando coragem, perguntei:
-- Olá! Você é a Morte?
-- Não, propriamente, mas uma forma pensamento muito forte criada pela medrosa mente humana. Respondeu com uma voz lúgubre que ecoava por dentro.
-- Nossa, sua voz treme a gente por dentro!
-- Não se impressione, serzinho azul, fui assim criada.
-- Mas quem criou uma coisa tão feia como você?
-- Hehehe! Você tem pena mas não tem dó, héin?
-- Kikiki!
-- Quem me criou foi o medo, respondeu a Morte
-- Medo?
-- Sim, os humanos, principalmente os ocidentais tem muito medo de mim.
-- Por que?
-- Porque os humanos tem medo do desconhecido. Vivem a vida fingindo que eu não existo e quando morre alguém que eles conhecem, eles ficam tristes e medrosos, mas mesmo assim, por causa do medo, imaginam que isso nunca vai lhes acontecer.
-- O que?
-- A morte, uai!
-- Uai, você é mineira? Kikiki
-- Não, eu sou universal, estou em todos os lugares e com todos os humanos.
-- Não tem uma versão sua pros passarinhos?
-- Não!
-- Uai, sô! Se não tem, por que os passarinhos morrem?
-- Ôxi! Eles morrem mas não tem o mental. Deixe-me explicar!
-- Os humanos tem a mente, o mental desenvolvido, coisa que os passarinhos e outros animais não tem e é dessa mente que se cria o pensamento e o pensamento cria forma. Disse a Morte.
-- Tá, isso eu já sei, mas como?
-- Existe uma matéria pensante da qual todas as coisas são feitas, e a qual, no estado original, penetra e preenche todos os interespaços do Universo. Um pensamento, nessa substância, produz a coisa imaginada pelo pensamento. O homem pode formar coisas no pensamento e, imprimindo esses pensamentos na substância informe, pode fazer com que a coisa pensada seja criada.*
-- Nossa! Então foi assim que os humanos criaram você?
-- Sim, eu sou um Mito.
-- Ah! Já conversei com vários mitos aqui mesmo nesta biblioteca.
-- É, eu soube!
-- Como soube?
-- Li num blog.
-- Ah!
-- Bom, como eu ia dizendo, os humanos criaram uma figura para representar a morte, por puro medo, um medo besta, já que todos eles vão morrer.
-- Mas por que tem que morrer?
-- Porque morrer faz parte da vida.
-- Uai! Vida e morte não são opostos?
-- Claro que não, passarinho, você não morreu e continua vivo, aqui, falando comigo?
-- É mesmo!
-- Então, morte é o oposto de nascimento, a vida transcende a tudo isso. Todos os seres que tem corpos para atuarem na região da Terra, nascem e morrem, e depois nascem e morrem de novo.
-- Inclusive os passarinhos?
-- Inclusive, mas com uma diferença, os humanos seres têm uma estrela e a mente, que os faz nascer e morrer para adquirir experiência, que, com o tempo, vão se tornar conhecimento, que, com o tempo, vai se transformar em sabedoria e essa sabedoria vai fazer com que eles compreendam que existe essa estrela dentro deles, o que, com o tempo, vai fazer com que eles se unam a essa estrela e que, com o tempo, se transformem nessa estrela e isso faz com que eles se tornem eternos e os livra da roda de nascimentos e mortes.
Nesse momento eu senti de novo aquela sensação de paz da minha experiência mística.
-- Puxa! Exclamei. Que difícil
-- É!
-- Ô Morte, morrer dói?
-- Você sentiu dor quando morreu?
-- Não lembro.
-- Pois é, quando for humano vai lembrar.
-- Enigmática, você, hein? Kikiki
-- Não, deixe-me explicar. Aquela estrela de que falei tem uma memória que vai guardando as experiências humanas em suas passagens pela Terra da matéria densa.
-- Tipo assim, um HD?
-- Sim, tipo assim, só que quando morre, o humano revê tudo o que passou, pensou, viu, achou que viu, sentiu, ouviu, enfim, tudo o que os seus cinco sentidos registraram; e esse momento serve para levar para essa memória todas as experiências, verdadeiras e falsas, assim fica tudo registrado.
-- Já sei! Eu ouvi uma palestra falando disso. É um upload!
-- Deve ser! Mesmo assim o homem teme a morte, mais que isso, teme o desconhecido do momento da morte.
-- E como é esse momento?
-- Olhe que interessante, passarinho: Dois humanos escreveram livros onde descrevem esse momento. Um deles, chamado Ernesto Bozzano, um espírita italiano, escreveu um livro chamado "A Crise da Morte", onde, através de perguntas feitas em sessões espíritas, ele entrevistou humanos mortos que contaram como foi a passagem.
-- Outro, continuou, chamado Dr. Raymond Moody, um jovem médico, escreveu Vida Depois da Vida: A Investigação do Fenômeno de Sobrevivência à Morte Corporal, onde também entrevistou humanos que passaram pela chamada experiência de quase-morte e voltaram para contar a história. Tanto um livro quanto o outro relatam as mesmas coisas.
-- Nossa! Que coisas?
-- Já conto, antes deixe lhe dizer que um livro foi escrito em 1930 e o outro só em 1975. Então, os relatos são muito semelhantes:
  1. Ouvir um zumbido nos ouvidos;
  2. Um sentimento de paz e ausência de dor;
  3. Ter uma experiência fora do corpo;
  4. Sentir-se viajar dentro de um túnel;
  5. Sentir-se subir "pelos céus";
  6. Ver pessoas, principalmente familiares já falecidos;
  7. Encontrar seres espirituais, por vezes identificados como sendo Deus;
  8. Ver uma revisão do decurso da própria vida, desde o nascimento até à morte;
  9. Sentir uma enorme relutância em regresso à vida.
-- Nossa, que legal!
-- Pois é! E há muitos registros humanos interessantes sobre a morte, inclusive o Bardo Thödol, ou, mais conhecido como o Livro dos Mortos Tibetano.
-- Olha, Morte, perdi o medo de você!
-- Sim, passarinho, mas você vai esquecer, depois vai se lembrar disso de novo.
-- Ora, vivem me dizendo isso e eu ainda não entendi.
-- Pergunte ao Mocho!
-- Óquêi! Vou perguntar. Antes queria saber por que você carrega essa foice aí.
-- Não é foice, é um alfange, foi assim que me imaginaram, com esta ferramenta que serve para ceifar o trigo, como se existisse um Ser que ceifasse a vida dos humanos.
-- Humm, tá! Então, obrigado e tchau Morte!
-- Tchau!



(*)Ciência de Ficar Rico - Wallace D. Wattles
Obs: Na figura, criação do fabuloso Maurício de Souza.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Os males


Nas minhas voanças em busca de sabença, passei por diversos lugares criados pelos pensamentos e sentimentos humanos e fiquei um tempão sem dar notícias.
Numa manhã linda, pra lá da biblioteca, encontrei um bosque que tinha no seu centro uma clareira.
Devia se chamar palco e não clareira, porque lá encontrei muitos artistas, cada um querendo puxar as luz sobre sua personalidade:
Estavam conversando animados, e eu cheguei, fiquei olhando dum galho, depois desci para uma pedra que ficava bem perto de onde eles estavam.
-- Olhem! Um elfo azul! disse um deles
-- Que elfo, Ganância, você é burra mesmo, disse Julgamento. É um pássaro!
-- Vem aqui, passarinho, chamou Luxúria, um sentimento em forma humana. E eu fui!
-- Quem são vocês? Indaguei do ombro da Luxúria, que me olhava de um jeito estranho.
-- Somos os maus sentimentos humanos, respondeu um ser semelhante a um humano, muito bem vestido.
-- Quem é você? Perguntei.
-- Sou o Orgulho, o mais inteligente e bonito sentimento que você vai conhecer.
-- Ah! Metido a besta! Eu é que sou, meu nome é Vaidade.
-- Essa minha irmã é chata mesmo, não ligue não, passarinho.
-- Ah, já ouvi falar de você! Falei olhando pra Vaidade. Ouvi dizer que você é a última fronteira.
-- E sou mesmo! Respondeu. Quando o homem subjuga a vaidade ganha uma uma chave dourada chamada Humildade e essa chave abre todas as portas do mundo.
-- Ah! Exclamei, imaginando como seria a tal chave.
-- Somos os males, mas não se assuste, passarinho, que só vivemos nos humanos.
-- Eu sou o Ding, disseram que um dia vou ser humano também.
-- Então vai ser bom você nos conhecer bem, porque vamos andar com você por muitas eras, disse Ambição.
-- Ah é? Por que?
-- Porque somos parte da personalidade humana, a parte que faz ele sofrer, até que nos conheça e nos conquiste, disse Avareza.
-- E o que é preciso fazer para conquistar vocês todos? Perguntei.
-- Sofrer! Responderam rindo todos, em uníssono.
-- Mas não somos conquistados todos assim fácil, é preciso conviver com cada um de nós, separadamente e enquanto o humano não se identifica conosco, não se apercebe da nossa existência, ele sofre as consequências dos atos que pratica. Explicou toda professoral a Gula.
-- Mas, e os bons sentimentos? Perguntei, onde eles estão?
-- Nos humanos também, alguns nos substituem por esses bons, mas só depois que conquistou o mal. Nós nunca andamos juntos, apenas convivemos com eles na alma dos humanos, aí fica a maior confusão. Disse Cólera.
-- Você é o mais perigoso, falou o Julgamento. Pois quando aparece toma conta de todas as faculdades e rouba descaradamente o discernimento e o livre arbítrio, e o humano faz coisas que não faria se tivesse no comando.
-- Nossa!
-- É passarinho! Eu, a Ira, sou fichinha perto da Cólera. Quando um humano é tomado pela Cólera ele fica extremamente destruidor, inclusive destruindo outros humanos.
-- É, e eu, o Ódio, sou um veneno que o humano toma esperando que o outro morra...kakakaka!
-- Não ligue não, Ding, esse meu irmão gêmeo, nasceu primeiro e se acha o mais importante do mundo.
-- Uai, Ira, pois olhe lá o mundo, quem tá mais lá do que eu?
-- Eu! Levantou a mão a Luxúria!
-- Calma, eu disse. Isto aqui tá parecendo a escolinha do Professor Raimundo! Kikiki
-- Vão devagar senão eu não entendo.
-- Mas não é para entender mesmo. Disse o Julgamento
-- O que você faz? Perguntei
-- Eu faço o humano julgar os outros humanos o tempo todo. E julgar é pior que assassinar, pois projeta uma energia que vai colar no outro humano, fazendo com que ele aja mais e mais de acordo com o que foi julgado dele, fazendo-o sofrer, depois eu volto pro humano que julgou e fico ali por perto e ele sofre também, das consequências dos atos daquele a quem julgou.
-- Puxa! Mas o que leva um humano a julgar assim outro igual a ele?
-- Eu, falou a Vaidade. Eu levo o humano a pensar que ele é melhor que o outro e às vezes ele julga uma pessoa inocente, que não fez aquilo que quem julgou pensa que ele fez. E quando ele diz isso a outras pessoas, o Julgamento se transforma em maledicência. Aí o outro humano, que também está comigo, vaidade, para parecer melhor que o julgado, também fala e a maledicência se transforma em fofoca.
-- Puxa, vocês são transformers!
-- Dos piores, mas não fazemos maldade por nós mesmos, apenas servimos às necessidades dos humanos, eles se servem de nós e depois sofrem, falou a Inveja.
-- Mas, o que os humanos podem fazer pra conquistar e se libertarem de vocês, definitivamente?
-- Primeiro sofrer. Com o sofrimento, aparece a dor que é a grande mestra. Disse a Preguiça. Aí a dor ensina o humano a nos enxergar em si mesmo. Isso chama consciência. Quando isso acontece, ele fica envergonhado e deprimido porque ninguém pode apagar o passado.
-- E depois?
-- Depois ele se promete a não se deixar dominar de novo, o que quase nunca acontece, pois os humanos demoram pra aprender. Tudo é decisão deles mesmos. Disse o Apego. Porque eles apreciam as ilusões, que são as sensações de ter, ser, estar, parecer e experimentar.
-- Como um bolo de chocolate! Gritou a Gula, esganiçada. Todos riram!
-- Nossa! Que confusão, eu disse. Como é que vou colocar ordem nessa bagunça toda que vocês fizeram no meu pobre coraçãozinho?
-- Com bons sentimentos, bobinhho! Falou Soberba.
-- Como o Amor? Perguntei
-- Não! Gritaram todos ao mesmo tempo, arregalando os olhos.
-- Não fale essa palavra porque ela evoca essa Coisa Aí! Disse o Ódio.
Nesse momento, uma luz rosa começou a se espalhar na clareira, como se fosse uma nuvem se formando e do meio dela uma outra luz, menos diáfana, mais intensa, como um farol amarelo ouro tomou a forma de um ser humano enorme, brilhante. Todos os sentimentos se ajoelharam e colaram o rosto no chão de terra, escondendo os olhos com os braços, tremendo de medo.
Eu fiquei olhando aquilo com a maior cara de ué! Achando bonito.
Comecei a sentir uma coisa gostosa no peito, um calorzinho e uma paz que nunca tinha sentido antes.
Olhei pra Coisa, meu bico cor de rosa, ficou quase branco, meus olhos se abriram mais pra poder pegar mais daquela luz e eu senti um sorriso quase humano tomar conta de mim.
A Coisa falou com uma voz tão deliciosa que eu me sentia flutuar naquele som.
-- Eu sou o Amor! Tenho várias formas de me mostrar aos seres humanos, conforme ele vai dominando os maus sentimentos e tornando-se mais puro e humilde, eu vou me tornando mais real no seu ser. Isso se chama Evolução.
Eu não conseguia articular nenhum pensamento, estava totalmente tomado por aquela sensação deliciosa, cálida de paz.
-- Eu sou o Amor! Quando os seres humanos evoluem e transcendem sua condição de humanos pelo domínio de si mesmos, eles se transformam em Mim. Daí passam a ver os outros humanos como os humanos veem os bebês, com um sentimento de carinho, cuidado e suavidade.
Fiquei sentindo Aquilo um tempão, a Luz do Amor não estava mais ali, mas uma sensação como se fosse um perfume, ficou no ar enquanto se desvanecia aquela nuvem rosa.
Quando abri os olhos como se tivesse sonhado, não havia mais ninguém lá, só o silêncio e, numa pedra alta estava o meu amigo Mocho.
Seu pequeno bico entre seus olhos enormes parecia sorrir, quando ele falou:
-- Gostou da lição, passarinho?





domingo, 17 de julho de 2011

O Retorno

Então, depois de uma aula sobre como os humanos evoluem, o velho Mocho nos chamou para ver uma aula de humanos naquele mesmo pavilhão da outra vez.
Chegamos voando de mansinho e nos empoleirando nos beirais, no muro circular e alguns outros animais lá já estavam.
Esses ensinamentos humanos seriam bom pra nós no futuro, disse Mocho, pediu que prestássemos atenção e ao seu sinal, todos voltaríamos ao nosso bosque para conversar. (Portanto, nenhum pio, tá Ding?) kikiki!
Esses humanos estavam se preparando para voltar à dimensão da matéria e ficamos olhando seus olhares felizes e apreensivos ao mesmo tempo.
Eles já estavam em palestra quando chegamos sem barulho e nem notaram nossa presença, enquanto o orientador dizia:
"1) Você receberá um corpo. Poderá amá-lo ou odiá-lo, mas ele será seu todo o tempo.

2) Você aprenderá lições. Você está matriculado numa escola informal de tempo integral chamada Vida. A cada dia, terá oportunidade de aprender lições. Você poderá amá-las ou considerá-las idiotas e irrelevantes.

3) Não há erros, apenas lições. O crescimento é um processo de ensaio e erro, de experimentação. Os experimentos 'mal sucedidos' são parte do processo, assim como experimentos que, em última análise, funcionam.

4) Cada lição é repetida até ser aprendida. Ela será apresentada a você sob várias formas. Quando você a tiver aprendido, passará para a próxima.

5) Aprender lições é uma tarefa sem fim. Não há nenhuma parte da vida que não contenha lições. Se você está vivo, há lições a serem aprendidas e ensinadas.

6) 'Lá' só será melhor que 'aqui', quando o seu 'lá' se tornar um'aqui', você simplesmente terá um outro 'lá' que novamente parecerá melhor que 'aqui'.

7) Os outros são apenas espelhos. Você não pode amar ou odiar alguma coisa em outra pessoa, a menos que ela reflita algo que você ame ou deteste em você mesmo.

8) O que você faz da sua vida é problema seu. Você tem todas as ferramentas e recursos de que precisa. O que você faz com eles não é da conta de ninguém. A escolha é sua.

9) As respostas para as questões da vida estão dentro de você. Você só precisa olhar, ouvir e confiar.

10) Você se esquecerá de tudo isso.. e ainda assim, você se lembrará."

(Regras para se tornar humano)

A cada regra que o humano falava, ele olhava em volta para ver se todos estavam prestando atenção.

Eu estava, mas não entendi nada, olhei para o Mocho com aquele olhar de pidão, louco pra dizer que estava no ponto de piar. Ele me olhou com um sorriso nos olhos e fez o sinal para voltarmos.

-- Quase, hein Ding?

--- Kikiki...desta vez eu entendi alguma coisa, mas quase não entendi nada.

Um "nem eu" uníssono soou entre a passarada.

-- Pois é, falou o Mocho com sua voz rouca, vocês vão lembrar, mas também vão esquecer. Não se preocupem com isso agora.

-- Por que eles vão voltar à terra física? Perguntou o pardal

-- Humanos tem uma dívida e um merecimento, pelo que fizeram durante suas vidas passadas na terra da forma física. Essa dívida e esse merecimento acontece a cada ato, pensamento, palavra ou intenção que eles criaram. Tudo é envolto na energia do pensamento e cria o que chamamos de Karma.

-- E nós, temos isso também? (Hoje o pardal estava mesmo falante)

-- Não, não temos. Nós vivemos de acordo com as Leis da Natureza e os pensamentos é que são os condutores e criadores de formas que colam nos humanos. Nós sentimos, mas nossos sentimentos são absorvidos, quando voltamos para cá e vão para a alma grupo de cada espécie.

-- Mas o Ding não vive de acordo com a Natureza, ele escreve blog. Denunciou o pardal.

-- Dita, falou o Mocho. E isso não gera pensamentos, só nos humanos que leem o que ele publica.

-- Ah!

-- Como é que acontece para esse Karma ficar colado neles? Perguntei

-- Na verdade, quando eles morrem, assistem um filme e revivem tudo o que passaram, viram, fizeram de bom e de ruim na vida, nesse momento, todas essas ações estavam acumuladas em volta deles e eles fazem um upload disso para a imagem deles que vem para os diversos níveis do nosso plano e são gravadas todas as ações.

-- Num DVD? Perguntou de novo o Pardal

-- Não, mas num tipo de memória que cada alma carrega. Respondeu Mocho, sorrindo.

-- Ah! Esse foi um "Ah!" geral.

-- Então, se um humano foi malvado deve vir cada memória feia, não? Disse um beija-flor.

-- Sim, e alguns dos humanos daqui conseguem ver isso tudo. Mas esses malvados, mesmo os piores, sempre tem algo de bom dentro deles e sempre avançam um pouquinho na sua evolução individual. Teve um humano chamado Baden-Powell, que viveu há muitos anos num lugar chamado Inglaterra que dizia: " Todo ser humano tem pelo menos 5% de bondade e a maior felicidade é procurar e olhar para ele, tentando ver esses 5%." Explicou o Mocho.

-- Nossa! Tem algum desses por aqui? Perguntou, tremendo, o pardal.

-- Kakaka! Não! Disse o Mocho. Eles estão em outras regiões. Fique tranquilo.

-- Mas, e depois, esses humanos vão voltar e ganhar um corpo novinho e daí? Perguntou um tico-tico.

-- Daí, eles vão estar entre outros humanos, num lugar apropriado, de acordo com as faltas e os merecimentos. A Vida é uma escola.

-- Então se fizerem besteira, bau-bau! Eu disse

-- Não, por pior que sejam seus pensamentos e atos, sempre vão evoluir um pouquinho, como já disse.

-- Vão passar de ano? Perguntei

-- Mais ou menos isso, só que pode ser que retornem para uma reciclagem, tudo depende só deles. No entanto, tem humanos pais, mães, amigos que, pelo pensamento e pela oração, vão influenciando os pensamentos deles.

-- E a Justiça Divina? Perguntou o pardal, com cara de malvado.

-- Essa é justamente Ela. Lá, eles costumam dizer uma frase bem verdadeira "Aqui se faz, aqui se paga", mas lembrem-se que a maioria granjeia méritos e vão aprendendo através da dor a descobrir e, depois, buscar se tornar à semelhança da estrela que eles carregam dentro de seus corações.

-- Puxa, Mocho, então eles vão brilhar? Perguntei

-- Sim, todos eles, um dia. Alguns antes dos outros e quando chegarem a se tornar estrelas completas eles ficam livres da roda e podem descansar, mas, em geral, eles levam seu livre arbítrio até a condição de estrelas e resolvem voltar para ajudar os que estão atrasados, vão ser chamados de Mestre, uma espécie de professor. Fazem isso por amor.

-- Uau! Eu quero ser professor, gritou o pardal.

-- Todos riram da tirada do "professor pardal", foi uma piação demorada. E os humanos que passavam, sorriam com a alegria própria dos passarinhos e sua farra diária no final da tarde.


sexta-feira, 1 de julho de 2011

O Genio



Depois de obter permissão do velho Mocho, fui ter com um senhor pensativo que passeava aqui por nossos campos. Ele tinha vindo de outra dimensão e esta seria a única oportunidade de conversar com um humano que já tinha transcendido nosso nível de energia.
-- Olá Einstein!
-- Olá Twitter!
-- Não sou o Twitter, sou o Ding, do Blog do Ding, aquele que tem pena mas não tem dó.
-- A piada é boa, achei que seria o Twitter, que é mais famoso, quem me entrevistaria, já que me disseram que eu iria conversar com um passarinho azul!
-- Esqueceram de dizer meu nome, mas...vamos lá?
-- Claro, simpático!
-- Obrigado Seu Gênio! Diga-me uma coisa, depois de ter elaborado aquela teoria, o Sr. já sabe com quantos paus se faz uma canoa?
-- Para isso, não precisaria ir tão longe, basta calcular o volume das águas e sua velocidade e verificar quanto de peso a canoa suportaria, adicionando um percentual para segurança, sopesada a resistência do material a ser empregado.
-- Puxa! E qual é a resposta?
-- Depende dos fatores que eu mencionei.
-- Ah! Mas que sucesso o Sr. teve nessa sua última vida, hein?
-- O único lugar onde o sucesso vem antes do trabalho é no dicionário.
-- Nossa! Deve ser mesmo. O que o Sr. procurava afinal?
-- Quero conhecer os pensamentos de Deus...O resto é detalhe.
-- Puxa, só isso? Então o Sr....
-- Olha, passarinho, me chame "você", somos todos energia com formas de vibração diferentes, que tal?
-- Nossa, obrigado. Então você é um buscador dos Mistérios.
-- Sim, todos os seres são, apenas não se dão conta disso.
-- E o que é necessário pra dar conta?
-- Atenção! A atenção é o canal pelo qual a Energia Divina, através do pensamento e sentimento, flui para sua realização dirigida.
-- Nossa, que difícil! Eu ainda nem aprendi a pensar direito, mas sentir já sou bem capaz, quanto mais prestar atenção...
-- É, penoso, e você ainda é um animal, não tem ideia de como está atrasada a humanidade nesse aspecto, mas, devagar vamos avançando em nossa evolução.
-- Pra que pressa?
-- É, a compressa é inimiga da comperfeição. ho-ho-ho!
-- Kikiki! Você ri como o Papai Noel!
-- Papai Noel não existe!
-- Claro que existe, eu mesmo já o entrevistei quando estava no mundo da forma atômica.
-- Hummm, você deve ter entrevistado um mito.
-- Então, se é um mito, muita energia foi criada com atenção pelas crianças humanas, através do pensamento e do sentimento e a realização do Papai Noel fluiu...Não?
-- Eita passarinho! Agora entendi porque você disse que tem pena mas não tem dó!
-- Kikiki! Mas...o que você tem descoberto nessa busca de entender os pensamentos de Deus?
-- Deus não joga dados com o Universo, por exemplo.
-- Por que? O que isso significa?
-- Significa que o Universo é regido por leis e todos estamos sujeitos a essas leis, invariavelmente, não há caos, coincidências, tudo, tudo mesmo existe e acontece por uma ração.
-- Ração?
-- Razão, desculpe, sotaque!
-- Ah tá! Mas outro gênio, o Stephen Hawking, desmentiu você dizendo que "Não só Deus Joga Dados com o Universo, como joga em lugares onde não podemos ver o resultado."
-- Hohoho!! Esse menino tem humor. Mas ele está olhando só uma face da questão, eu acho.
-- E aquela da gravidade ser uma consequência da curvatura do espaço-tempo, hein? Pegou um monte de gente com "cara de ué", né?
-- Se pegou, mas depois que viram as explicações matemáticas...ficaram com mais "cara de ué" ainda, hohoho!
-- Kikiki. Aqui essa curvatura não pega, né?
-- Não, só na parte dos "vivos"! Hohoho!
-- Kikiki! Então, e no futuro, o que você disse da religião?
-- A religião do futuro será cósmica e transcenderá um Deus pessoal, evitando os dogmas e a teologia.
-- Nossa! Tá longe isso, hein?
-- A distinção entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão teimosamente persistente.
-- Tem gente que não vai gostar disso.
-- Ah, passarinho, se não gostar, me processe! Hohoho!
-- Você também não tinha dó!
-- Ding, é o seguinte: Duas coisas são infinitas: o Universo e a estupidez humana. Mas, no que respeita ao Universo, ainda não adquiri a certeza absoluta. Hohoho!!!
-- Nossa, quanta imaginação!
-- A imaginação é mais importante que a ciência, porque a ciência é limitada, ao passo que a imaginação abrange o mundo inteiro.
-- Então as crianças estão na frente!
-- Sempre, passarinho! Sempre!
-- Isso, então, corrobora a minha tese da existência do Papai Noel! Kikiki!
-- Chega! Você é demais pra mim! Hohoho!
-- Então, o que você achou daqui?
-- Muito interessante, eu fiquei aqui inconsciente por um tempo até que se desgastasse a matéria deste nível que eu carregava no meu ser, antes de ir para a outra dimensão, então tive que juntar um pouco dessa matéria, agora, para poder fazer uma investigação.
-- É mesmo, e que matéria é essa que seu ser trouxe aqui para desgastar?
-- Um pouco de sentimentos, uma pontinha de vaidade, essas coisas.
-- Ah, diz o Mocho que a vaidade é a última fronteira.
-- É um sábio esse Mocho!
-- Você, além de sábio é um gênio.
-- Hohoho! Passarinho, passarinho! Eu já me libertei disso. Títulos podem ser insignificantes.
-- Está bem, mas eu sou muito vaidoso!
-- Claro! Você é lindo! Hohoho!
-- Tá rindo do que?
-- Lá na frente você vai entender, nesse seu processo de humanização.
-- Não entendi nada!
-- Fique tranquilo. Tudo vai dar certo. Deus não joga dados!
-- Tá bom! Mas...já vai?
-- Vou, já colhi uns entendimentos por aqui. Obrigado pelo papo!
-- Obrigado Seu Gênio! Vá com Deus!
-- Vou e O deixo com você, porque Ele está em toda parte, está em tudo. Ele é!
-- É!

terça-feira, 31 de maio de 2011

A Festa


Hoje logo cedo eu voei para a árvore do Mocho porque, desde aquele dia em que ele leu a história, passou a ler outras para as aves daqui, agora com mais ouvintes. A notícia se espalhou e apareceram alguns gatos, cachorros, coelhos e outros bichos de estimação. Quem não gosta de histórias?
Quando eu cheguei, todo mundo já estava lá, olharam pra mim e seguiram o Mocho cantando:
-- Parabéns pra você! Nesta data querida! Muitas felicidades, muitas felicidades!
-- Uai, não rimou! Eu disse
-- Felicidades Ding! Gritaram todos!
-- Mas, por que? Eu sou de setembro!
-- Não, Ding, falou meu amigo Tico-tico, hoje faz um ano que você morreu e veio pra cá!
-- Ah, é! Nossa, nem me lembrava.

Em minha homenagem, o Mocho leu a MINHA história, e eu fiquei pensando: "Nossa, eu já esqueci disso tudo. Nem lembrava mais dos meus humanos."
Nesse momento, o Mocho que é muito sabido, parece que ouviu meus pensamentos e disse:
-- É que você anda muito ocupado por aqui, Ding, por isso não lembra dos seus humanos lá na Terra física. Mas seu humano número um lembra de você todos os dias, até colocou sua foto num cartão de plástico que ele sempre carrega com ele.
-- Puxa! E eu nem posso ir ver como ele está.
-- Mas pode ir nos sonhos dele, se quiser. Depois te ensino como fazer isso, agora deixe eu terminar a história.

Até parece que ele andou lendo meu blog, esse Mocho safado!

Depois da história, vieram todos me cumprimentar, até lambida eu tomei, que nojo! E os gatos fizeram uma apresentação da banda deles, cantando, ou melhor, miando juntos. Até que ficou legal, mas tinha um amarelo que era bem desafinado.
Teve brincadeiras durante a manhã toda e aquela balbúrdia atraiu a atenção até dos humanos, que passavam sem entender nada.

Finalmente, o Mocho me chamou, subimos a um galho bem alto e ele me explicou como funcionam os sonhos dos humanos e me deu uma porção de recomendações, acabei achando meio complicado.
-- Não se esqueça que, por causa do seu amor aos seus humanos e do amor deles por você é que você está aqui. Foi um passo muito importante. Daqui uns tempos, quando os pensamentos deles relacionados a você se gastarem na matéria deste lugar, você vai dormir e acordar num outro lugar, onde vai receber uma estrelinha, na verdade você já é essa estrela. Depois, passará, como estrela de volta ao mundo físico, carregando alguma matéria daqui e dacolá, para formar a nova estrutura com a qual você vai funcionar lá.
-- Puxa, que complicado, isso dói?
-- Não! Disse o Mocho rindo da minha ignorância.
-- E eu vou ter penas azuis ou verdes?
-- Creio que seu corpo talvez não tenha penas, mas vai ser o adequado para sua individualização.
-- Como assim?
-- Não sei, Ding, isso faz parte dos Mistérios e nem eu conheço.
-- To sentindo um aperto no peito. Será medo?
-- Não, talvez seja outro sentimento. Os humanos chamam de saudade.

Saí dali voando e fui pousar numa pedra de onde se vê longe, um vale bonito com um rio brilhante, que faiscava com a luz do sol. Fiquei lá, só olhando, até o sol descer, e meu aperto no peito foi passando, passando...

segunda-feira, 16 de maio de 2011

A AULA



O Dirigente dos passarinhos daqui é um mocho velho, um tipo de coruja grande que tem penas pontudas que parecem orelhas. Isso significa que ele está sempre atento ao que fazemos aqui e de vez em quando reúne a passarada e outras aves para uma aula.
Distante um voo pensamento fica uma construção redonda onde os humanos tem aulas, oferecidas por humanos mais experientes.
Fomos para lá, em bando.
O Mocho falou: Atenção todos, vamos assistir a uma parte da aula dos humanos, não quero ouvir um pio sequer!
Os humanos foram chegando e sentando em bancos que formavam círculos concêntricos, nós aves nos encarapitamos no muro, já que a construção é aberta, sem janelas e tem um muro baixo em toda a sua volta.
Depois de uma oração feita em grupo, os humanos ficaram quietos por um tempão, como se estivessem recebendo os benefícios dela. Tinha uma luz azul em toda a volta da sala, dentro e fora, muito bonita, como se fosse uma nuvem azul, mas transparente.
Olhei em volta e vi que todos estavam quietos, até os patos e os marrecos, geralmente muito barulhentos.
Nenhum pio! A ordem do nosso dirigente estava sendo cumprida

O professor começou a falar:
"Tudo é uma só substância da qual tudo foi criado e pela qual toda vida se sustém. Tudo tem vida e não há ponto algum onde não exista a vida. Toda coisa tem forma corpórea, através da qual o Espírito e a Vida tem que se expressar. Algumas formas são visíveis e outras invisíveis, mas todas são corpóreas."
"A substância mental está em todo lugar. Podemos considerá-la como se fora a parte mais elevada da energia, assim como a matéria é face mais grosseira da energia ou substância mental. Da mente emanou a energia e da energia, a matéria."
"As diferenças são:
1. Matéria... É o que usamos para vestir-nos.
2. Energia... É o que usamos para acionar e obrar.
3. Mente... É o que usamos para pensar.
4. Toda mente está em contato com toda outra mente e com a Mente Universal, da qual todas as mentes são partes.
5. O Universo é uma substância pensante.
6. O pensamento pode variar como varia a forma corpórea, desde o átomo até o sol.
7. A forma de pensamento mais perfeita de que temos conhecimento é a do homem.
Logo: Hoje somos o que temos pensado sempre."

Olhei para um sanhaço que estava com os olhos fixos no professor e o bico entreaberto, quase babando e falei:
-- Num tendi nada!
-- Shhhhh! Fez o Mocho. Depois, fez o sinal que já tínhamos combinado e fomos todos voando para debaixo de uma árvore.
Lá, ele disse:
-- Ding! Eu falei nenhum pio e você piou! Por isso, hoje todos só vão ficar com isso o que foi dado.
-- Mas eu não entendi mesmo, repliquei.
-- Não importa! Às vezes, ouvimos ou presenciamos coisas que não entendemos e, mais tarde, isso vai ter um significado para nós.
-- Hoje, continuou o Mocho, pigarreando, vimos um pouco da aula dos humanos, talvez um dia vocês venham a entender isso, talvez na forma de uma lembrança, ou de um pensamento.
-- O que é pensamento? Perguntou um papagaio.
-- É a ação da energia através de um instrumento que nós, animais, ainda não temos desenvolvido totalmente, nós estamos desenvolvendo as emoções, mas uma grande parte de nós, aqui presentes, estivemos envolvidos pela energia mais elevada que é a substância mental quando interagimos com os humanos. Respondeu o Mocho.
-- Não entendi nada! Falei, de novo.
-- Não importa, como eu disse. Um dia tudo isso vai voltar quando você desenvolver o instrumento necessário para responder a esse grau de energia. Respondeu o Mocho.
-- Veja bem, continuou. Quando você quer voar aqui, de um ponto ao outro, o que faz?
-- Força! Respondi
-- Sim, mas aaaaantes disso?
-- Não sei, dá uma vontade de estar lá para onde eu quero ir voando. Respondi
-- Isso! Isso é um pensamento na sua forma mais primitiva. Isso é tudo o que você pode fazer agora, mas da próxima vez, tente saber, ter consciência do que está fazendo.
-- Como o Fernão Capelo Gaivota?
-- Sim, essa criação fantástica de um ser humano explica bem quando um ser começa a evoluir, deixar de buscar apenas a satisfação material das suas necessidades básicas, comida, por exemplo e começa a descobrir que voa, que pode voar e isso lhe dará condições de juntar substância mental.
-- Nossa! Exclamaram alguns, outros só ficaram olhando.
-- Como é essa história, velho Mocho? Perguntou um pica-pau.
-- Eu vou ler pra vocês, deixa eu pegar meus óculos e o livro.

E ficamos todos embevecidos com a leitura da história.
Eu, que já sabia um pouco do livro, fiquei distraído, lembrando das palavras do professor humano e, de vez em quando soltava sem querer, um "não entendi nada"
-- Não entendeu o que? Perguntava o Mocho enquanto dezenas de olhinhos viravam pra mim com reprovação.
-- Não...continue, por favor?! Eu dizia todas as vezes enquanto sorria por dentro...
Eu tenho pena, mas não tenho dó! kikiki!

terça-feira, 19 de abril de 2011

Indio

Enquanto no mundo físico comemora-se o dia do índio, aqui, sob a frondosa Teca, mora um mito do índio das américas.
Ele está sempre reverenciando a velha árvore e sua sombra magnífica. Todos os pássaros coloridos tem medo dos índios e quando eu era vivo eu não gostava de índio porque eles usam as penas dos pássaros em sua roupa.
Procurei um ser de luz, muito alto, cujo rosto não pode ser visto pois sua luz é como um farol ligado e, como me disseram aqui é o guarda da biblioteca.
-- Senhor! O senhor é o guarda?
-- Sou o guarda, curador, protetor e gestor daqui.
-- Pode me dizer o que faz aquele índio aqui, já que aqui é um museu vivo de mitos e lendas?
-- Pois ele é o mito dos povos indígenas das américas.
-- Ah! Eu tenho medo que ele pegue minhas penas pra fazer cocar.
-- Não, criatura, ele vive pela reverência à Natureza Mãe e sua figura ecoa nas palavras de todas as línguas indígenas, povoando a imaginação dos índios que estão na face da Terra com histórias de glória e não vai pegar nada seu.
-- Por que ele está alí, ora alegre, ora triste, às vezes cantando baixinho?
-- Cada vez que um índio fala com orgulho das coisas próprias dos índios, ou declara seu amor à Natureza, ele fica alegre. Quando os índios caem em vícios dos brancos, pegam doenças dos brancos e morrem, sofrendo, ele chora.
-- Como quando aqueles estudantes colocaram fogo no índio pataxó, em Brasília?
-- Sim, aquele dia foi um dia de grande dor para o Mito dos Indígenas das Américas, ele sofreu as dores das queimaduras, chorou alto e gritou "não!" muitas vezes.
-- E quando os humanos brancos da américa do norte fizeram guerra contra os índios de lá?
-- Ah, foram tempos difíceis por tanta matança e preconceito. O que a guerra não fez as doenças e o álcool acabaram destruindo. Mas algumas nações sobreviveram e mantiveram suas crenças.
-- E no Brasil, de onde eu vim, eles que eram os donos das terras brasileiras foram expulsos e mortos.
-- Sim, a história dos povos indígenas é muito marcada por desrespeito e saiba, passarinho, que eles não se consideravam donos das terras, só achavam que tudo o que havia era concedido pela Natureza para eles usarem, mas não eram donos, como pensam os humanos brancos.
-- Olhe, ele parece estar em transe.
-- Está! Sempre fica assim quando sua alma é convidada para as festas que os índios viventes estão fazendo alguma festa ou ritual e pedem a sua presença.
-- E ele vai?
-- Vai, em espírito. Então, ele se une às almas de todos os presentes e eles sentem a sua presença e ficam agradecidos em sua fé.
-- Que bonito.
-- Sim, os índios respeitam e amam seus antepassados e até aos humanos brancos que os defenderam e os ajudaram.
-- Como o Villas Boas, no Brasil?
-- Sim, veja o filme.
-- Vou ver! Obrigado seu guarda!
-- (Rindo) De nada!




Nota do Ding:

Principais etnias indígenas brasileiras na atualidade e população estimada

Ticuna (35.000), Guarani (30.000), Caiagangue (25.000), Macuxi (20.000), Terena (16.000), Guajajara (14.000), Xavante (12.000), Ianomâmi (12.000), Pataxó (9.700), Potiguara (7.700).
Fonte: Funai (Fundação Nacional do Índio).

sexta-feira, 15 de abril de 2011

As Confidências de um Inconfidente

Aqui o céu tá sempre azul, o Sol brilha mas não esquenta demais, isso faz muito bem às penas novas, que faiscam como as asas das borboletas.
Voei de perto de um grupo de humanos até a biblioteca. A grande árvore estava vazia, só tinha uma figura humana refestelada na sombra a mastigar um talinho de capim.
Como aqui não se tem medo de nada, pois nada pode nos fazer mal, pousei num ramo da velha Teca e fiquei observando o pensador, logo ali embaixo.
Foi quando ele olhou pra cima e disse:
-- Ei daí, passarinho azul, que não me cagues a farda limpa.
Isso despertou minha atenção pra sua roupa de militar, que não estava tão limpa assim, para aumentar minha estranheza: O que faria alí um humano?
Desci pra averiguar e respondi.
-- Quem é você, humano? Por que está de farda?
-- Não sou humano, sou só um mito. A alma humana que habitou um corpo à imagem e semelhança deste, já se foi deste lugar faz tempo! A farda é minha roupa de alferes.
-- Mito? Assim, tão humano?
-- É, passarinho, meu nome é Tiradentes
-- Kikiki! Ainda bem que passarinho não tem dente
-- Mas é só uma alcunha, o homem que me deu origem ganhou esse apelido porque aliviava as dores dos seus conterrâneos arrancando os dentes doentes.
-- Então tem muito banguela lá de onde você veio.
-- Na verdade todos eles já morreram e alguns já viveram de novo.
-- Por que?
-- Porque faz muito, mas muito tempo que o Tiradentes tirava dentes.
-- E você, o que faz agora?
-- Eu repouso na Glória de Herói da nação. Meu nome está no livro do Panteão da Pátria e da Liberdade.
-- Uau! Então além de mito você é herói?
-- Bem, eu sou o mito do herói. Por isso posso estar aqui na biblioteca.
-- E o que o herói fez de tão heroico?
-- Ele assumiu a verdade, inocentando seus companheiros e evitando que eles fossem assassinados.
-- E que verdade é essa?
-- É a Inconfidência Mineira, um movimento que quase deu certo, não fosse alguns homens o trairem.
-- Ah! Não se pode confiar nos humanos. Sempre dizem isso aqui.
-- Nunca! Mas eles foram perdoados pelo Tiradentes.
-- Então mataram ele?
-- Mataram a forca. Penduraram ele na ponta de uma corda pelo pescoço, até morrer.
-- Nossa! Doeu?
-- Não sei, acho que nessa hora escurece tudo e não se sente mais nada.
-- É bom ser herói?
-- Bem, quando se é lembrado sim, dá um sentimento de que a coisa certa foi feita.
-- E quando se está fazendo, sabe que é a coisa certa?
-- A essa pergunta não sei responder, passarinho, mas que coisa, hein?
-- Kikiki! Eu tenho pena mas não tenho dó!
-- To vendo!
-- E o que o herói fez é sempre lembrado?
-- Não, só as professoras, essas heroinas, é que mostram para as crianças que os atos do herói foram importantes, mas não mudou muita coisa, à época, talvez nem hoje.
-- Como assim?
-- Hoje o povo continua sendo explorado com os impostos impostores, mas a conjuração mineira só aconteceu porque Portugal não aceitava que se mandasse menos ouro.
-- Mas todos perderam.
-- Nada se perde, tudo se transforma, em se tratando de ações visando libertar o povo da tirania.
-- Se transformou em que?
-- Em um orgulho de ser mineiro, por exemplo.
-- Transcendeu!
-- Nossa passarinho, onde você aprendeu essa palavra difícil?
-- Kikiki! Foi um humano que disse que eu transcendi.
-- Ah! Mas, voltando à conjuração, o trabalho de Tiradentes e seus pares foi considerado o primeiro passo para a Democracia, pois se queria implantar esse sistema nas Minas Gerais.
--Interessante. Mas eu tenho uma curiosidade especial sobre Tiradentes.
-- Diga lá!
-- O que os humanos gritavam quando Tiradentes tirava um dente?
-- Uaaaaai! Rerere!
-- Kikiki!


terça-feira, 5 de abril de 2011

A fada do trevo

Depois de ver Knut, feliz, rolar relva abaixo, apareceram uns cãezinhos e ficaram todos brincando como fazem os cães e os ursos.
Pousei num galho de uma árvore e fiquei contemplando a beleza deste mundo "estrelado".
-- Oi Ding! (Ouvi uma vozinha doce vindo de baixo de onde eu estava.)
-- Ding! Ding! Ding! Ding! (Chamou de novo)
-- Quem me chama, Sininho?
-- Não, euzinha aqui, ó!
Era um trevo de quatro folhas!
-- Nossa, Trevinho, não sabia que você era do gênero feminino.
-- Não, eu sou uma fadinha, seu bobo!
-- Fada de Trevo, eu nunca vi, essa é novidade pra mim.
-- Pois é, mas tem, somos nós que damos sorte e não os trevos de quatro folhas.
-- Ah! é?
-- É. Diz a lenda que por ser raro o trevo de quatro folhas se transformou num poderoso amuleto e os humanos acreditam muito em poderes que não compreendem.
-- Aliás, acreditam demais em muitas coisas que não conseguem entender.
-- Pois é, isso tem história.
-- Adoro histórias, conte!
-- Tipo assim, os Druidas lá pelos anos 300 D.C. acreditavam que quem possuisse um trevo de quatro folhas poderia absorver os poderes da floresta e a sorte dos deuses, e, com isso, prosperidade.
-- Druidas, o que é isso?
-- Eram humanos que viveram onde hoje é a Inglaterra, naquela época. Havia mulheres também, chamadas druidesas. Na sociedade Celta eles eram responsáveis pelo ensino, eram professores e também advogados e filósofos.
-- Eu sempre achei que Celta era o nome de um carro.
-- Sim, mas é que os humanos deram a esse carro o nome dessa sociedade que vivia nesse lugar.
-- Ah! Mas, fale mais dos druidas!
-- Então, eles pertenciam a classes: os Filid eram os intermediários entre os celtas e os deuses, era a mais alta classe de druidas, o famoso Mago Merlin era um Druida Filid; os juizes, chamados de Brithen, eram os guardiães das leis do lugar e resolviam as questões entre os humanos de lá.
-- Ah! Já ouvi falar desse tal de Merlin.
-- Então, tinha outras quatro classes de druidas, os médicos, chamados de Liang; os repórteres, chamados de Sencha...
-- Uai, já tinha jornal naquela época?
-- Não, bobinho, eles percorriam as aldeias e voltavam com as notícias do que estava acontecendo, tudo era transmitido oralmente por outra classe, os contadores da história, que eram chamados de Druidas Scelaige, tudo era guardado na memória e como você, os celtas adoravam histórias, daí surgiam muitas lendas.
-- Fadas são lendas também! kikiki
-- São não, passarinho, fadas existem de verdade, nossa evolução é separada do resto.
-- Ah, então como a gente tá aqui conversando?
-- Porque as fadas só podem ser vistas por quem tem o coração puro, como as crianças.
-- Ah tá!
-- Então, como eu ia dizendo, ainda tinha mais uma classe de druidas, que eram os poetas, esses é que mantinham vivas as tradições celtas.
-- Puxa, quanta gente!
-- Humanos! Ding. Tem até histórias de que os Druidas praticavam canibalismo, mas acho que isso era invenção dos romanos. Acho que é porque eles tinham muitos conhecimentos de astronomia e ainda hoje os humanos tentam desvendar os mistérios celtas.
-- E o trevo?
-- Ah, é! Então, os trevos eram presenteados como votos de saúde, fortuna e prosperidade e quando se colhia um trevo nasciam outros seis no lugar. Diz a tradição.
-- Puxa, que praga! kikiki
-- Bem que dizem que você faz comentários mordazes, hein?
-- Eu tenho pena mas não tenho dó! kikiki
-- Sei, moleque!
-- E então, fale mais que eu to gostando.
-- É, tipo assim , cada uma das quatro folhas do trevo tem um significado, esperança, fé, amor e sorte. Além disso representam um ciclo completo, as quatro estações do ano, as quatro fases da lua e os quatro elementos da Natureza: terra, água, fogo e ar.
-- Nossa! Quanta coisa!
-- Pois é, Ding, mas sabe o que eu acho, que isso tudo é invenção dos humanos.
-- É?
-- Deve ser, pois não tem até uma marchinha de carnaval com o nome de trevo de quatro folhas?
-- Nossa! Até isso! Mas a letra é bonitinha.
-- Então vamos cantar!
E ficamos a cantarolar e a rir das coisas dos humanos, eu e a fadinha do trevo de quatro folhas.

(Clique no link pra ouvir a marchinha)



segunda-feira, 28 de março de 2011

KNUT


Passo o meu tempo entre uma árvore e outra com meus companheiros. Tudo aqui tem uma luz diferente. No começo eu tinha dificuldade de voar e acertar o pouso porque aqui você tem uma visão em 4D , ou seja, você olha um objeto e enxerga todos os lados dele: Frente, atrás, ambos os lados e dentro, se você focar direito. É muito estranho.
Tem um campo com uma relva de um verde que eu nunca tinha visto aí, de tão lindo. De uma árvore eu vi um pontinho branco pulando. Assim que minha atenção focou o tal pontinho, imediatamente eu estava lá, ao lado dele.

-- Oi Knut! O que você tá fazendo aqui?
-- Oi Ding, eu morri, ?
-- Ah, fiquei sabendo. E como você veio pra cá como ursinho bebê fofinho e não com seu corpão enorme de ursão polar adulto?
-- Me disseram que foi porque eu fui amado pelos humanos com essa imagem, legal, ?
-- Muito legal! E seu pelo brilha muito mesmo, você tomou banho?
-- Eu tomo todo dia, passarinho. Agora, há pouco, eu tava brincando com umas focas que viveram presas num aquário, elas são cheias de truques.
-- Sei quem são. E essas marquinhas no pelo abaixo dos seus olhos, você andou chorando?
-- É! Eu tava pensando nos meus parentes lá no ártico da Terra, a gente vai se extinguir e não vai demorar muito.
-- Será? Por que?
-- Porque os humanos pensam que a Terra é deles e todo mundo que se dane.
-- Ai, ai! Ouço muito essa reclamação por aqui. Ah! não chore, Knut!
-- Você sabe o que é ser extinto, expulso do planeta, não poder mais nascer lá como você era? Você sabe? Hein?
Fiquei sem saber o que dizer, vendo as lágrimas encherem os olhinhos pretos do ursinho.
-- Olha, Knut, não sei se serve de consolo, mas ouço muito dizerem que a Mãe Natureza é sábia e que ela sempre dá um jeito.
-- Que jeito, hein? Que jeito?
-- Sei lá! Eu não entendo muito dos mistérios, só sei o que ouço falar.
-- É mentira! Os ursos polares estão perdidos!
-- Não, Knut, aqui não existe a mentira, se até os humanos falam isso, deve ser verdade.
-- Será?
-- É sim! Anime-se, vai, pare de chorar, que eu não aguentando ver.
-- Tá bom, vou acreditar em você! Eu vou parar, mas é que minha tristeza é tão grande.
-- Olha, lembrei de uma conversa que eu ouvi aqui, de que a Terra é oca e tem aberturas nos pólos que dá acesso ao interior, quem sabe alguns dos seus parentes não estariam morando por lá e no futuro, quando os humanos limparem a face da Terra eles possam voltar?
-- É mesmo? Nunca ouvi falar disso.
-- Então, alguma hora podemos ouvir isso aqui e confirmar.
-- Tá bom, já to mais aliviado agora, obrigado.
-- Eu fiquei preocupado, você já estava soluçando.
-- Eu vou ficar bem.
-- Me conte uma coisa Knut, existe urso bipolar?
-- He he! Essa é boa!
-- Que bom que você tá sorrindo de novo. Eu fiquei preocupado com você, ainda mais agora que disseram que no verão do hemisfério norte vai derreter todo o gelo da calota polar...
-- , Ding, você tem pena mas não tem dó, hein? Caraca!
-- Kikiki...esse é o meu mote. Desculpe!
-- Tá bom! Vou acreditar no que você falou e ficar com a esperança de voltar um dia.
-- Vai sim! Pode crer, amizade!
-- Legal, vamos rolar na grama?
-- Vai você que eu vou voando por cima!
-- Legal, lá vou eu! Iuuuupiiiiiiiiii!