segunda-feira, 28 de março de 2011

KNUT


Passo o meu tempo entre uma árvore e outra com meus companheiros. Tudo aqui tem uma luz diferente. No começo eu tinha dificuldade de voar e acertar o pouso porque aqui você tem uma visão em 4D , ou seja, você olha um objeto e enxerga todos os lados dele: Frente, atrás, ambos os lados e dentro, se você focar direito. É muito estranho.
Tem um campo com uma relva de um verde que eu nunca tinha visto aí, de tão lindo. De uma árvore eu vi um pontinho branco pulando. Assim que minha atenção focou o tal pontinho, imediatamente eu estava lá, ao lado dele.

-- Oi Knut! O que você tá fazendo aqui?
-- Oi Ding, eu morri, ?
-- Ah, fiquei sabendo. E como você veio pra cá como ursinho bebê fofinho e não com seu corpão enorme de ursão polar adulto?
-- Me disseram que foi porque eu fui amado pelos humanos com essa imagem, legal, ?
-- Muito legal! E seu pelo brilha muito mesmo, você tomou banho?
-- Eu tomo todo dia, passarinho. Agora, há pouco, eu tava brincando com umas focas que viveram presas num aquário, elas são cheias de truques.
-- Sei quem são. E essas marquinhas no pelo abaixo dos seus olhos, você andou chorando?
-- É! Eu tava pensando nos meus parentes lá no ártico da Terra, a gente vai se extinguir e não vai demorar muito.
-- Será? Por que?
-- Porque os humanos pensam que a Terra é deles e todo mundo que se dane.
-- Ai, ai! Ouço muito essa reclamação por aqui. Ah! não chore, Knut!
-- Você sabe o que é ser extinto, expulso do planeta, não poder mais nascer lá como você era? Você sabe? Hein?
Fiquei sem saber o que dizer, vendo as lágrimas encherem os olhinhos pretos do ursinho.
-- Olha, Knut, não sei se serve de consolo, mas ouço muito dizerem que a Mãe Natureza é sábia e que ela sempre dá um jeito.
-- Que jeito, hein? Que jeito?
-- Sei lá! Eu não entendo muito dos mistérios, só sei o que ouço falar.
-- É mentira! Os ursos polares estão perdidos!
-- Não, Knut, aqui não existe a mentira, se até os humanos falam isso, deve ser verdade.
-- Será?
-- É sim! Anime-se, vai, pare de chorar, que eu não aguentando ver.
-- Tá bom, vou acreditar em você! Eu vou parar, mas é que minha tristeza é tão grande.
-- Olha, lembrei de uma conversa que eu ouvi aqui, de que a Terra é oca e tem aberturas nos pólos que dá acesso ao interior, quem sabe alguns dos seus parentes não estariam morando por lá e no futuro, quando os humanos limparem a face da Terra eles possam voltar?
-- É mesmo? Nunca ouvi falar disso.
-- Então, alguma hora podemos ouvir isso aqui e confirmar.
-- Tá bom, já to mais aliviado agora, obrigado.
-- Eu fiquei preocupado, você já estava soluçando.
-- Eu vou ficar bem.
-- Me conte uma coisa Knut, existe urso bipolar?
-- He he! Essa é boa!
-- Que bom que você tá sorrindo de novo. Eu fiquei preocupado com você, ainda mais agora que disseram que no verão do hemisfério norte vai derreter todo o gelo da calota polar...
-- , Ding, você tem pena mas não tem dó, hein? Caraca!
-- Kikiki...esse é o meu mote. Desculpe!
-- Tá bom! Vou acreditar no que você falou e ficar com a esperança de voltar um dia.
-- Vai sim! Pode crer, amizade!
-- Legal, vamos rolar na grama?
-- Vai você que eu vou voando por cima!
-- Legal, lá vou eu! Iuuuupiiiiiiiiii!

sexta-feira, 11 de março de 2011

O Boi Falô

Gostei tanto da biblioteca que resolvi voltar, lá tem sempre alguma coisa prá gente aprender.
Quando cheguei à sombra da Teca, hoje tinha pouca "gente", uns gatos pingados...kikiki...adoro esta expressão.
Foi quando eu vi o boi, sim! Um boizão de verdade, com a maior cara de vaca da Índia, deitado na sombra, mascando como fazem os bois. Ele era enorme, da cor de creme, tinha chifres enormes e uma marca no pescoço, como se o pelo tivesse sido raspado ali.
-- Olá, boi-bumbá, você é garantido ou caprichoso?
O boi ficou olhando pra mim e mascando com aquela cara bovina de "ué!", pelo jeito não falava a minha língua. Tentei de novo.
-- Olá Seu Boi, o que faz um boi aqui onde só chegam as criaturas da mente humana e entes folclóricos?
-- Olá passarinho! Eu sou um ente folclórico. Eu sou o Boi Falô.
-- Como?
-- Sou personagem de uma história que aconteceu há muitos anos numa fazenda chamada Santa Genebra em Campinas.
-- Ah! Conta!
-- Então, era dia santo, e o capataz mandou um escravo chamado Nêgo Toninho atrelar os bois de carro pra fazer um serviço e eu me recusei a trabalhar. Quando o Nêgo Toninho foi dizer pro capataz que os bois não queriam trabalhar, que era dia de se guardar, acabou sendo surrado violentamente e veio a morrer por causa disso. Nessa hora eu ajoelhei e falei: "Hoje é dia santo, é dia de se guardar", imagina o susto do capataz e de quem tava lá perto.
-- E falou mesmo, como gente?
-- Dizem as más línguas que não, que o cavalo era ventríloquo. Moo! Moo! Moo!
-- Kikiki!
-- Então, depois disso, essa região que recebeu o nome do dono da fazenda, o Barão Geraldo de Resende, virou a "terra do Boi-Falô".
-- E desde então, você virou mito e veio pra cá.
-- Vim e tenho observado demais os humanos, que não guardam nem dia santo, nem respeitam nada, são os seres mais violentos que há.
-- É?
-- É, passarinho! Você não imagina a crueldade com que eles matam os animais nos matadouros, um horror.
-- É?
-- É! Eles dão choques com aguilhões eletrificados e os animais ficam com tanto medo que evacuam e urinam, com tanta adrenalina que é descarregada, um caos total.
--Nossa!
--E na hora de matar, todos os animais assistindo tudo, percebendo que sua hora vai chegar, vem um ser que se diz humano e bate com marreta na cabeça do bicho, bate muitas vezes. Uma dor lancinante.
-- E por que eles fazem isso?
-- Pra ganhar dinheiro. Porque os humanos comem os cadáveres dos animais, usam couro pra fazer roupas, tapetes, móveis, bancos de carro. Usam os ossos pra fazer gelatina.
-- Que nojo!
-- É um grande negócio criar e matar bois, aves, porcos, ovelhas, cabras. Muitos humanos ficam se sentindo melhores quando tem o tal dinheiro, então não ligam para isso, a dor dos animais não os afeta.
-- Que tristeza!
-- Pior passarinho, isso não acontece só com esses. Na pesca de arrastão para pegar camarões, são jogados fora mais de 80% dos animais marinhos que ficam presos nas redes e morrem. Estima-se que morram todo ano na Terra 4,5 milhões de animais marinhos, 3,3 milhões de tubarões, 60 mil tartarugas marinhas e 20 mil golfinhos e baleias. *
-- Ai, que dor no meu coraçãozinho.
-- É, passarinho, depois os humanos chegam aqui e tenho observado que eles sofrem essa pressão, quando tomam consciência que não fizeram nada quando podiam, ficam sofrendo por remorso.
-- E por que não fazem nada?
-- Alguns vivos ainda brincam dizendo que amam os animais porque eles são deliciosos.
-- E eles têm que matar pra comer?
-- Não, passarinho, só alguns animais matam para comer, mas isso é da Mãe Natureza, eles fazem isso porque foram criados para isso, para fazer a seleção natural das raças e não por crueldade.
-- Ai, ai, ai!
-- Os humanos que são criadores e matadores de animais não falam nada, não divulgam e os humanos comedores de cadáveres procuram ignorar, se esforçam mesmo pra isso.
-- E comer cadáver não faz mal?
-- Faz, mas aos pouquinhos, além das químicas que os criadores colocam nas rações para os animais engordarem e crescerem mais depressa, a adrenalina entra na carne, penetra nas células e essas se modificam e quando o animal morre impregnam tudo, isso tudo que o homem come, carrega todo aquele sofrimento para as células humanas, algumas que estão nascendo podem nascer defeituosas e se transformar em câncer.
-- Nossa Boi Falô, você é sabido, hein?
-- Sou não, pois não te disse que fico aqui observando os homens e ruminando o que eles dizem?
-- Pois é! Essa foi uma das conversas mais tristes que tive aqui
-- Verdade, suas penas até perderam um pouco de brilho.
-- Obrigado pela aula Boi Falô.
-- Volte sempre, passarinho.

É, o Boi Falô!




(*) Matéria da Carta Capital

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