terça-feira, 4 de outubro de 2011

São Chico


Voltei! Fui passear em outras paragens nas minhas voanças pelo aquém do além.
Encontrei uns humanos vestidos de marrom e com um corte de cabelo esquisito. Achei que estava de volta à terra da matéria densa, mas depois vi que não era bem isso.
Esses humanos que eu vi estavam trabalhando, ajudando outros humanos.
Eles sorriam pra tudo e todos e pareciam felizes em sua faina, abraçando os desvalidos da sorte, andrajos, dando-lhes coragem e alimento.
Perguntei a um deles o que estavam fazendo ali. Trabalhando, respondeu.
-- Trabalhando em que?
-- Na obra de nosso querido S. Francisco, ajudando os necessitados, doentes, carentes de amor do próximo, caídos.
-- Obra? O que vocês estão construindo?
-- Dignidade.
-- Quem é esse Francisco?
-- Aquele cuja imagem você usa no seu blog.
-- Quem? Aquele santinho?
-- Sim, ele mesmo!
-- Eu gosto dele!
-- Eu também! Tenho aprendido muito com ele sobre o Amor.
-- Onde eu posso encontrá-lo?
-- Além do meu coração e dos outros devotos? Não sei, acho que ele tá presente em todo humano que ajuda outro humano e que ama os animais.
-- Uau! Eu queria fazer uma entrevista com ele pro meu blog.
-- Olha, passarinho, você pode encontrá-lo pensando nele, fechando seus olhinhos e fazendo a oração dele.
-- Que legal, você me ensina? Eu ainda não sei pensar, mas já aprendi o que é imaginar.
-- Ensino sim, mas pode ser outra hora?
-- Pode. Mas, me diga, por que você usa essa roupa?
-- É nossa identidade, mostra que somos da Ordem de S. Francisco, somos frades.
-- Sei. Mas, por que você falou sobre o Amor? O que você aprendeu?
-- Você já ouviu falar dos mandamentos, conforme os católicos?
-- Não, o que é?
-- São mandamentos que o Senhor entregou a Moisés para que ele entregasse aos humanos.
-- Ah! (Cara de ué)
-- O primeiro mandamento, ordem, diz que devemos "Amar a Deus sobre todas as coisas"
-- Como assim?
-- Eu pensava que seria amar a Deus, antes de amar outros humanos ou outros seres, mas, pensando em como S. Francisco demonstrava em seus atos, aprendi que é amar a todas as coisas como divinas, como tendo Deus nelas. Amar as pessoas e os seres todos porque são criaturas de Deus e têm Deus nelas, mesmo que elas não saibam disso ou nem queiram saber.
-- Entendi. Por isso imagens do S. Francisco tem uns passarinhos nos ombros?
-- Sim, porque ele era santo, antes de ser santo ele era manso de coração e os animais reconhecem os humanos mansos e não tem medo.
-- Interessante. Eu sou passarinho e nunca tive medo de humanos.
-- Sim, mas você era domesticado, os passarinhos que vivem soltos na Seara do Senhor tem medo de humanos.
-- Como é que você sabe que eu era domesticado?
-- Se não fosse não estaria aqui falando comigo, além disso, li num blog. Rêrêrê!
-- Kikiki! (Eu ri, mas não entendi a piada) Mas, me fale mais desse Santo, eu gosto dele!
-- Eu sei! Todo mundo gosta. Ele nasceu numa cidade chamada Assis lá pelo século doze e viveu uns quarenta e poucos anos. Era filho de um homem rico e foi acostumado com as coisas materiais à vontade e também era ambicioso.
-- Então ele não nasceu santo?
-- Ninguém nasce santo, torna-se! Mas sua santidade foi adquirida com o sofrimento, depois que ele foi pra uma guerra, voltou diferente. Gastou o dinheiro do pai pra ajudar os pobres e seu pai o deserdou.
-- Deserdou?
-- É! Naquele tempo acontecia muito isso, de deserdar. Pois Francisco, que recebeu esse nome porque seu pai gostava muito da França, acabou pobre como os pobres que ele ajudava.
-- Coitado!
-- Que nada, acho até que ele gostou, pois daí em diante, aceitou muito bem sua nova condição naquela sociedade e voltou-se para Deus e compreendeu que Ser era mais importante que Ter. Passou a ajudar muito mais os pobres e os leprosos.
-- Quem eram os leprosos?
-- Naquele tempo, uma doença chamada Hanseníase acontecia muito e por ser contagiosa ao contato, os portadores dessa doença, chamada também de lepra, causavam nojo e preconceito nas pessoas e os leprosos eram pareados, separados e abandonados. Não podiam se aproximar das outras pessoas, inclusive aquelas que elas mais amavam, pois, além de serem rejeitadas, se se aproximassem poderiam ser mortas.
-- Nossa, quanta crueldade.
-- É, passarinho. Mas Francisco até beijou um leproso em sinal de amizade. Ele tinha uns 25 anos, então.
-- Então?
-- Então, quando foi deserdado, aceitou sua nova condição, renunciou definitivamente aos bens materiais e dedicou-se totalmente à vida religiosa. Fundou a Ordem dos Frades Menores e a Ordem Terceira.
-- Quanta ordem!
-- Ordem e progresso. Rêrêrê! Hoje, chamamos a Ordem dos Franciscanos, aqueles que seguem os princípios de Humildade, Simplicidade e Justiça para com todos e fazemos voto de pobreza, castidade e obediência.
-- Puxa, quanta coisa, mas, o que significam esses princípios?
-- Assim, ó! Humildade significa acolhida para escutar. Quem abre os sentidos para perceber o maior e o melhor não tem medo de obedecer e mostra lealdade a um grande projeto. Simplicidade é valor de quem sabe colocar tudo em comum, é a coragem da partilha. Justiça é transparência, castidade, verdade. É revelar o melhor de si.(*)
-- É preciso muita coragem mesmo.
-- Muita, passarinho. É uma opção de vida mesmo.
-- Puxa! Não sabia porque eu gostava tanto desse santo, agora eu sei.
-- É, querido, nós aprendemos com ele tudo isso e, principalmente, amar a Deus "sobre" todas as coisas.
-- Muito difícil pra mim, entender isso ainda.
-- Não se preocupe com isso, deixe que sua vida lhe conduza, como sempre foi. Um dia você entenderá.
-- Obrigado pela aula, seu Franciscano.
-- De nada, passarinho. Mas tome, fique com este papel, aqui tem a oração de S. Francisco.
-- Obrigado.

Sem saber o que fazer com aquilo, trouxe comigo e mostrei pro sábio Mocho, que leu:

Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.

Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,

Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.

Onde houver Discórdia, que eu leve a União.

Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.

Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.

Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.

Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.

Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!

Ó Mestre,

fazei que eu procure mais:

consolar, que ser consolado;

compreender, que ser compreendido;

amar, que ser amado.

Pois é dando, que se recebe.

Perdoando, que se é perdoado e

é morrendo, que se vive para a vida eterna!

Amém

(*) Ordem dos Frades Menores