sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O NATAL



Olá, há quanto tempo eu não apareço por aqui! Aconteceu tanta coisa, mas hoje só vou contar a mais importante, que foi há uns dias. Depois eu conto mais.

Depois de muitas aulas e de conhecer vários lugares deste mundo enorme, encontrei um passarinho amarelo que me disse que o Mocho estava me chamando lá em sua árvore.
Fui e notei logo ao chegar que ele estava diferente. Suas penas marrons estavam meio azuladas e as pintinhas pretas de suas asas brilhavam num tom de ouro que parecia um manto de estrelinhas.
Seu olhar, que já era profundo, estava mais ainda. Parecia que me atravessava, como se eu fosse transparente e, em volta dele tudo estava muito silencioso, as folhas, galhos, ramos, estáticos, pareciam borrados enquanto só a figura do Mocho era nítida, como eu nunca tinha visto.
Sem sequer mexer o bico, suas palavras ecoaram na minha cabeça:
-- Não se assuste, Ding, é assim mesmo.
-- O que? Balbuciei.
-- Chegou a hora do Natal, siga-me.
E voou um voo estranho, sem o bater de asas, sem sequer abri-las, passou por mim flutuando. Passou por mim literalmente, atravessando meu corpo, o galho onde eu estava e tudo mais.
Voei rápido atrás dele e senti que não precisava fazer esforço como seria o normal.
Chegamos quase que instantaneamente àquela clareira onde eu conheci Os Males, lembra? *
Estava vazia.
Mocho parou no ar, flutuando sobre a pedra grande, girou ao mesmo tempo que seu corpo acendia e as estrelinhas douradas do seu manto, agora muito azul emitiam mais luz; e pousou suavemente na pedra.
Eu sabia, instintivamente, que deveria pousar na pedra menor, em frente, e, dali, assisti à cena de seu pouso suave e silencioso. Sua voz, agora mais profunda ecoou na minha cabeça:
-- Ding!
Abri ainda mais meus olhos e fiquei esperando. Apesar da estranheza da situação, eu estava muito tranquilo, achando tudo lindo.
-- É chegada a hora de você receber sua última lição como um simples passarinho. Todas as provas mostraram que o amor que guia seu coraçãozinho te tornaram digno de evoluir. Agora, depois de conhecer o funcionamento do mundo e saber que tudo, tudo no mundo, manifestado ou não para as capacidades dos sentidos, tanto humanos quanto animais - que são, em geral, mais apurados, tudo, repito, evolui.
-- Estas pedras mesmo, onde estamos pousados, evoluem lenta e determinadamente. Continuou.
-- As árvores cujas folhas parecem congeladas sem o vento, a grama, estas belas florinhas que enchem este ambiente com seu perfume suave, mesmo o mato, estão vivos como as pedras, olhe!
Olhei! E vi, como nunca tinha visto antes, as pedras pareciam vivas mesmo imóveis, havia movimento de pulsar de minúsculas partes dentro delas.
-- Sim, Ding! A voz reboou na minha cabeça. -- Estão vivas, as pedras. O que você vê são os movimentos dentro dos átomos. Um dia, num futuro que não se pode precisar, você conhecerá os conceitos desse movimento contínuo e imortal.
-- Observe as plantas!
Olhei com mais força e vi cores e luzes expandindo para fora das folhas, riozinhos de luz correndo dentro delas, mesmo na mais ínfima folhinha de grama a vida era igualmente pulsante e poderosa. Meus olhos pareciam esbugalhados com tanta beleza. Vira tanto esses seres e nunca enxergara assim, tão vivos. Mesmo as folhas das árvores não mais pareciam congeladas, mas pulsantes, moviam-se de modo que eu podia até adivinhar seu prazer em estarem vivas, manifestando sua luz.
A majestade das árvores as tornava mais altas, corriam rios luminosos dentro delas, pelo tronco, aos galhos, ramos, folhas e uma luz ultrapassava seus contornos. Aí, pude ver sobre a árvore que estava mais à frente, um belo ser luminoso e reconheci ser uma dríade *.
-- Há mais, Ding! Trovejou a voz do Mocho.
-- Os animais, que também evoluíram desde o reino mineral e vegetal, continuam evoluindo. Dentro de cada espécie, uma alma-grupo existe. Você se conecta com essa alma do grupo a que pertence todo o tempo, sem ter consciência. A isso os humanos chamam de instinto. Veja!

E eu vi! Vi, cheirei, senti o gosto, senti os medos e alegrias, as sensações em minhas patinhas das rugosidades de todos os tipos de galhos, pedras, areia, terra onde todos os papagainhos tocaram em todos os tempos. Aquilo que eu fazia naturalmente agora me chegava com sensações. Percebi porque eu sentia medo de corujas e outros predadores, era como se eu estivesse revivendo os sofrimentos por que passaram todos os meus ancestrais, eu via e sentia!
Vi e entendi como nunca antes tinha percebido. Vi humanos colocando seus dedos para que eu subisse, não era eu, mas era. Senti aquela mesma sensação de segurança e carinho que eu tive pelo meus humanos, na pele daqueles pássaros que eu vivia agora. Um turbilhão! Meu coraçãozinho transbordava.

-- É, Ding! Há mais! Falou o Mocho.
-- Depois de tanto sentir, vem a compreensão, nasce a mente, que já era semente em você. Agora, que você sentiu tanto, percebeu tanto, receberá a mente.
-- Como? Balbuciei. (Nossa! eu não falei, mas pensei e, sem sequer abrir o bico, meu "como?" reverberou fora de mim, eu pensava!)
-- É o Natal! E o Espírito do Natal virá entregar sua mente.
Aquelas palavras pareciam anunciar a entrada de um convidado especial em uma cerimônia muito importante. Comecei a sentir novamente aquela mesma sensação deliciosa que sentira quando conheci os Males ali mesmo naquela clareira. A mesma nuvem rosada tomou conta do ambiente, um perfume inebriante rescendeu no ar. A luz dourada que já conhecia subiu como uma plantinha que nasce do chão, e transformou-se no mesmo ser que eu já tinha visto antes, com seu manto de luz e a luz intensa muito branca no lugar do seu rosto.
-- É o Amor! Falei, desta vez abrindo demasiadamente meu bico.
-- Eu Sou! Falou o Amor. Eu Sou em você agora.
-- EU SOU O QUE O CRIADOR É. LOGO:
EU SOU O AMOR NESTE SER.
EU SOU A ENERGIA NESTE SER.
EU SOU A CARIDADE NESTE SER.
EU SOU O EQUILÍBRIO EM CADA SER.
EU SOU A SAÚDE EM CADA SER.
EU SOU DEUS EM AÇÃO NESTE SER.

Fiquei estático enquanto aquela sensação penetrava em meu ser. Aquelas palavras, ainda incompreensíveis pra mim, ecoavam.

O Mocho, agora ao meu lado, sorria.
-- Ding, este é o seu Natal. Quando evoluímos nos tornamos a manjedoura onde vem nascer nossa individualidade. Agora você não está mais vinculado. Sua alma é única e vai evoluir separadamente. A partir de agora sua mente existe e vai achar que está separada do Amor, este Eu Sou que lhe pertence. Você está conectado agora à Fonte Original, mas vai se esquecer disso porque seu novo atributo, chamado ego, vai desenvolver uma maneira de se portar chamada egoísmo, que vai trazer muitas provas e sofrimentos e, vida a vida, vai te trazer de volta a esta clareira e à compreensão de que aquele que aqui nasceu em você hoje é uno com você, como ele mesmo disse: Eu Sou em você.
-- Você vai esquecer disso, repetiu. Vai esquecer, mas vai lembrar algumas vezes. Vai sentir um vazio em você e isso fará com que você, durante muitas eras, procure fora de você, em outros e em outras coisas, objetos, em ideias, aquilo que na verdade estará sempre em você, apesar de sua mente que agora debuta levar você a acreditar que Ele, seu Eu interior, está se-pa-ra-do de você. Mesmo alguns humanos te farão pensar que eles são Ele ou Seu representante e você acreditará. Ainda assim, você terá momentos de dúvida e voltará para seu Eu verdadeiro, ainda que ache que ele está separado de você. Isso se chama oração.

Eu acompanhava todas essas palavras com uma percepção diferente, entendia isso e me intrigava apenas a insistência do Mocho de que eu ia me esquecer disso. Eu não ia. Sabia que não ia. Mas, mesmo assim, tinha que acreditar nele.

-- Ding! Continuou Mocho. Como antes você estava conectado a uma alma-grupo, agora seu novo veículo te faz conectado com a Mente Universal. Existe uma matéria pensante da qual todas as coisas são feitas, e aqual, no estado original, penetra e preenche todos os interespaços do Universo. Um pensamento, nessa substância, produz a coisa imaginada pelo pensamento.

Eu me lembrava de já ter ouvido isso numa das lições dos humanos. Agora eu compreendia. Parecia que agora podia ver com outros olhos o que antes parecera tão difícil de entender.

-- Nesta hora, continuou Mocho, você recebeu uma nova faculdade junto com a posse da mente individual. Isso se chama Livre Arbítrio. Significa que a partir de agora você pode fazer tudo o que quiser, tudo mesmo. Nem mesmo o instinto que antes te dirigia e te ligava a um grupo dos passarinhos agora pode interferir. Nem mesmo um conjunto de pensamentos e imagens que você vai criar, chamado de Princípios, poderá interferir nas suas decisões.
-- Sim, agora, seu Livre Arbítrio passa a ser a lei e todas as suas ações serão baseadas em suas Decisões. Agora, e em diante, tudo o que você Decidir fazer, ser, pensar, agir, imaginar, querer, desejar serão de única e definitiva responsabilidade sua. Para cada ação, pensamento, desejo seu corresponderá uma responsabilidade pelos efeitos que essas causas causarem no ambiente, nos seres, nos humanos e na Mente Universal, seja para o bem, seja para o mal. Isso se chama Carma. Cada ação, pensamento, sentimento, desejo e suas respectivas responsabilidades serão registradas em sua mente e, paulatinamente, em função daquilo que elas provocaram, produzirão condições, situações e ações reativas dos meios onde você funcionar, que poderão ser de prazer ou de dor, de culpa ou contentamento, de alegria ou de tristeza, de acordo com a natureza das causas.

Eu acompanhava essas explicações sem medo porque o Amor ainda estava presente, apesar de eu sentir aquele calor e aquela luz dentro de mim.

-- EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA. NINGUÉM VAI AO PAI SENÃO POR MIM. Reverberou aquela voz dentro de mim.

-- É, Ding! Falou o Mocho novamente, como para explicar. Há mais, além da mente. Há mais, depois que você compreender e empreender sua evolução individual. São os chamados Mistérios, que já mencionei em outras vezes. A seu tempo, cada coisa, cada lição.
Tudo o que você empreender daqui para frente serão lições. Te levarão para longe de seu entendimento da Unidade, mas te trarão de volta, através das consequências de seus atos, pensamentos, sentimentos e desejos. Esse processo se chama desapego. Mas você vai esquecer. Depois vai lembrar.

Ainda, a sensação estava presente. Eu me sentia flutuar quando tudo foi voltando ao costumeiro, o vento voltou a balançar as folhas das árvores enquanto aquela presença ia se esvaindo, como que evaporando, o ar em volta foi descolorindo do seu tom rosado, o perfume ainda evolava à nossa volta, mas mais fraco, dissolvendo-se na atmosfera. Apesar de não ver mais o Amor, eu sentia sua presença, como nunca sentira antes.

-- Já está fazendo efeito, seu ego. Falou Mocho, agora da maneira usual, pelo seu bico sorridente. Suas penas voltaram à cor normal e aquele seu jeito astuto e gozador estava de volta. Perdera a cerimônia.

-- Mocho! Falei. Que aconteceu? Eu estava estupefato.
-- Feliz Natal! Respondeu ele sorrindo.


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