segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Morte


Depois da experiência mística do último post, fiquei ainda uns dias inebriado por aquele perfume e nem consegui responder à pergunta do Mocho.
Encontrei meu sábio amigo encarapitado no seu galho preferido, observando a passarada e de onde costuma dar seus conselhos e ensinar os privilegiados, como eu.
-- Olá Mocho! Andei pensando na sua pergunta do outro dia
-- E a que conclusão chegou, Ding?
-- Que eu, imagino que todos os passarinhos são assim, sempre vivi numa espécie de contentamento com a vida e nunca tinha me dado conta.
-- Como assim?
-- Tipo assim! Eu só sentia que tudo sempre dava certo e que sempre teria carinho, que a vida é sorriso e alegria todo o tempo, que meu potinho de sementes sempre estaria cheio, que sempre haveria água fresca pra beber e tomar banho e nunca, nunca tinha pensado nisso. Eu só sentia.
-- É verdade, quando você adquiriu direitos de se humanizar começou a pensar.
-- Uau!
-- Ding, que não nos ouçam os gansos e patos, mas, mudando de pato pra ganso, você viu quem está ali na biblioteca?
-- Nossa! Que figura estranha, parece um esqueleto vestido com um manto negro, quem é?
-- É a Morte!
-- Credo Mocho! Arrepiei aqui e meu coraçãozinho deu um pulo! Que medo!
-- Medo de que, pasarinho? Você já morreu. Por que não vai lá conversar com ela. Ela é muito sábia.
-- Mais sábia que você, Mocho?
-- Mais, muito mais. Acho que você vai curtir o papo.
E lá fui eu, certo que já estava morto porque o Mocho falou e na vida depois da morte ninguém pode temer a Morte. Cheguei de mansinho, minhas brilhantes penugens da nuca ainda em pé, o coração e outro negócio apertadinho, criando coragem, perguntei:
-- Olá! Você é a Morte?
-- Não, propriamente, mas uma forma pensamento muito forte criada pela medrosa mente humana. Respondeu com uma voz lúgubre que ecoava por dentro.
-- Nossa, sua voz treme a gente por dentro!
-- Não se impressione, serzinho azul, fui assim criada.
-- Mas quem criou uma coisa tão feia como você?
-- Hehehe! Você tem pena mas não tem dó, héin?
-- Kikiki!
-- Quem me criou foi o medo, respondeu a Morte
-- Medo?
-- Sim, os humanos, principalmente os ocidentais tem muito medo de mim.
-- Por que?
-- Porque os humanos tem medo do desconhecido. Vivem a vida fingindo que eu não existo e quando morre alguém que eles conhecem, eles ficam tristes e medrosos, mas mesmo assim, por causa do medo, imaginam que isso nunca vai lhes acontecer.
-- O que?
-- A morte, uai!
-- Uai, você é mineira? Kikiki
-- Não, eu sou universal, estou em todos os lugares e com todos os humanos.
-- Não tem uma versão sua pros passarinhos?
-- Não!
-- Uai, sô! Se não tem, por que os passarinhos morrem?
-- Ôxi! Eles morrem mas não tem o mental. Deixe-me explicar!
-- Os humanos tem a mente, o mental desenvolvido, coisa que os passarinhos e outros animais não tem e é dessa mente que se cria o pensamento e o pensamento cria forma. Disse a Morte.
-- Tá, isso eu já sei, mas como?
-- Existe uma matéria pensante da qual todas as coisas são feitas, e a qual, no estado original, penetra e preenche todos os interespaços do Universo. Um pensamento, nessa substância, produz a coisa imaginada pelo pensamento. O homem pode formar coisas no pensamento e, imprimindo esses pensamentos na substância informe, pode fazer com que a coisa pensada seja criada.*
-- Nossa! Então foi assim que os humanos criaram você?
-- Sim, eu sou um Mito.
-- Ah! Já conversei com vários mitos aqui mesmo nesta biblioteca.
-- É, eu soube!
-- Como soube?
-- Li num blog.
-- Ah!
-- Bom, como eu ia dizendo, os humanos criaram uma figura para representar a morte, por puro medo, um medo besta, já que todos eles vão morrer.
-- Mas por que tem que morrer?
-- Porque morrer faz parte da vida.
-- Uai! Vida e morte não são opostos?
-- Claro que não, passarinho, você não morreu e continua vivo, aqui, falando comigo?
-- É mesmo!
-- Então, morte é o oposto de nascimento, a vida transcende a tudo isso. Todos os seres que tem corpos para atuarem na região da Terra, nascem e morrem, e depois nascem e morrem de novo.
-- Inclusive os passarinhos?
-- Inclusive, mas com uma diferença, os humanos seres têm uma estrela e a mente, que os faz nascer e morrer para adquirir experiência, que, com o tempo, vão se tornar conhecimento, que, com o tempo, vai se transformar em sabedoria e essa sabedoria vai fazer com que eles compreendam que existe essa estrela dentro deles, o que, com o tempo, vai fazer com que eles se unam a essa estrela e que, com o tempo, se transformem nessa estrela e isso faz com que eles se tornem eternos e os livra da roda de nascimentos e mortes.
Nesse momento eu senti de novo aquela sensação de paz da minha experiência mística.
-- Puxa! Exclamei. Que difícil
-- É!
-- Ô Morte, morrer dói?
-- Você sentiu dor quando morreu?
-- Não lembro.
-- Pois é, quando for humano vai lembrar.
-- Enigmática, você, hein? Kikiki
-- Não, deixe-me explicar. Aquela estrela de que falei tem uma memória que vai guardando as experiências humanas em suas passagens pela Terra da matéria densa.
-- Tipo assim, um HD?
-- Sim, tipo assim, só que quando morre, o humano revê tudo o que passou, pensou, viu, achou que viu, sentiu, ouviu, enfim, tudo o que os seus cinco sentidos registraram; e esse momento serve para levar para essa memória todas as experiências, verdadeiras e falsas, assim fica tudo registrado.
-- Já sei! Eu ouvi uma palestra falando disso. É um upload!
-- Deve ser! Mesmo assim o homem teme a morte, mais que isso, teme o desconhecido do momento da morte.
-- E como é esse momento?
-- Olhe que interessante, passarinho: Dois humanos escreveram livros onde descrevem esse momento. Um deles, chamado Ernesto Bozzano, um espírita italiano, escreveu um livro chamado "A Crise da Morte", onde, através de perguntas feitas em sessões espíritas, ele entrevistou humanos mortos que contaram como foi a passagem.
-- Outro, continuou, chamado Dr. Raymond Moody, um jovem médico, escreveu Vida Depois da Vida: A Investigação do Fenômeno de Sobrevivência à Morte Corporal, onde também entrevistou humanos que passaram pela chamada experiência de quase-morte e voltaram para contar a história. Tanto um livro quanto o outro relatam as mesmas coisas.
-- Nossa! Que coisas?
-- Já conto, antes deixe lhe dizer que um livro foi escrito em 1930 e o outro só em 1975. Então, os relatos são muito semelhantes:
  1. Ouvir um zumbido nos ouvidos;
  2. Um sentimento de paz e ausência de dor;
  3. Ter uma experiência fora do corpo;
  4. Sentir-se viajar dentro de um túnel;
  5. Sentir-se subir "pelos céus";
  6. Ver pessoas, principalmente familiares já falecidos;
  7. Encontrar seres espirituais, por vezes identificados como sendo Deus;
  8. Ver uma revisão do decurso da própria vida, desde o nascimento até à morte;
  9. Sentir uma enorme relutância em regresso à vida.
-- Nossa, que legal!
-- Pois é! E há muitos registros humanos interessantes sobre a morte, inclusive o Bardo Thödol, ou, mais conhecido como o Livro dos Mortos Tibetano.
-- Olha, Morte, perdi o medo de você!
-- Sim, passarinho, mas você vai esquecer, depois vai se lembrar disso de novo.
-- Ora, vivem me dizendo isso e eu ainda não entendi.
-- Pergunte ao Mocho!
-- Óquêi! Vou perguntar. Antes queria saber por que você carrega essa foice aí.
-- Não é foice, é um alfange, foi assim que me imaginaram, com esta ferramenta que serve para ceifar o trigo, como se existisse um Ser que ceifasse a vida dos humanos.
-- Humm, tá! Então, obrigado e tchau Morte!
-- Tchau!



(*)Ciência de Ficar Rico - Wallace D. Wattles
Obs: Na figura, criação do fabuloso Maurício de Souza.

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