sexta-feira, 15 de abril de 2011

As Confidências de um Inconfidente

Aqui o céu tá sempre azul, o Sol brilha mas não esquenta demais, isso faz muito bem às penas novas, que faiscam como as asas das borboletas.
Voei de perto de um grupo de humanos até a biblioteca. A grande árvore estava vazia, só tinha uma figura humana refestelada na sombra a mastigar um talinho de capim.
Como aqui não se tem medo de nada, pois nada pode nos fazer mal, pousei num ramo da velha Teca e fiquei observando o pensador, logo ali embaixo.
Foi quando ele olhou pra cima e disse:
-- Ei daí, passarinho azul, que não me cagues a farda limpa.
Isso despertou minha atenção pra sua roupa de militar, que não estava tão limpa assim, para aumentar minha estranheza: O que faria alí um humano?
Desci pra averiguar e respondi.
-- Quem é você, humano? Por que está de farda?
-- Não sou humano, sou só um mito. A alma humana que habitou um corpo à imagem e semelhança deste, já se foi deste lugar faz tempo! A farda é minha roupa de alferes.
-- Mito? Assim, tão humano?
-- É, passarinho, meu nome é Tiradentes
-- Kikiki! Ainda bem que passarinho não tem dente
-- Mas é só uma alcunha, o homem que me deu origem ganhou esse apelido porque aliviava as dores dos seus conterrâneos arrancando os dentes doentes.
-- Então tem muito banguela lá de onde você veio.
-- Na verdade todos eles já morreram e alguns já viveram de novo.
-- Por que?
-- Porque faz muito, mas muito tempo que o Tiradentes tirava dentes.
-- E você, o que faz agora?
-- Eu repouso na Glória de Herói da nação. Meu nome está no livro do Panteão da Pátria e da Liberdade.
-- Uau! Então além de mito você é herói?
-- Bem, eu sou o mito do herói. Por isso posso estar aqui na biblioteca.
-- E o que o herói fez de tão heroico?
-- Ele assumiu a verdade, inocentando seus companheiros e evitando que eles fossem assassinados.
-- E que verdade é essa?
-- É a Inconfidência Mineira, um movimento que quase deu certo, não fosse alguns homens o trairem.
-- Ah! Não se pode confiar nos humanos. Sempre dizem isso aqui.
-- Nunca! Mas eles foram perdoados pelo Tiradentes.
-- Então mataram ele?
-- Mataram a forca. Penduraram ele na ponta de uma corda pelo pescoço, até morrer.
-- Nossa! Doeu?
-- Não sei, acho que nessa hora escurece tudo e não se sente mais nada.
-- É bom ser herói?
-- Bem, quando se é lembrado sim, dá um sentimento de que a coisa certa foi feita.
-- E quando se está fazendo, sabe que é a coisa certa?
-- A essa pergunta não sei responder, passarinho, mas que coisa, hein?
-- Kikiki! Eu tenho pena mas não tenho dó!
-- To vendo!
-- E o que o herói fez é sempre lembrado?
-- Não, só as professoras, essas heroinas, é que mostram para as crianças que os atos do herói foram importantes, mas não mudou muita coisa, à época, talvez nem hoje.
-- Como assim?
-- Hoje o povo continua sendo explorado com os impostos impostores, mas a conjuração mineira só aconteceu porque Portugal não aceitava que se mandasse menos ouro.
-- Mas todos perderam.
-- Nada se perde, tudo se transforma, em se tratando de ações visando libertar o povo da tirania.
-- Se transformou em que?
-- Em um orgulho de ser mineiro, por exemplo.
-- Transcendeu!
-- Nossa passarinho, onde você aprendeu essa palavra difícil?
-- Kikiki! Foi um humano que disse que eu transcendi.
-- Ah! Mas, voltando à conjuração, o trabalho de Tiradentes e seus pares foi considerado o primeiro passo para a Democracia, pois se queria implantar esse sistema nas Minas Gerais.
--Interessante. Mas eu tenho uma curiosidade especial sobre Tiradentes.
-- Diga lá!
-- O que os humanos gritavam quando Tiradentes tirava um dente?
-- Uaaaaai! Rerere!
-- Kikiki!


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