sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

O NATAL



Olá, há quanto tempo eu não apareço por aqui! Aconteceu tanta coisa, mas hoje só vou contar a mais importante, que foi há uns dias. Depois eu conto mais.

Depois de muitas aulas e de conhecer vários lugares deste mundo enorme, encontrei um passarinho amarelo que me disse que o Mocho estava me chamando lá em sua árvore.
Fui e notei logo ao chegar que ele estava diferente. Suas penas marrons estavam meio azuladas e as pintinhas pretas de suas asas brilhavam num tom de ouro que parecia um manto de estrelinhas.
Seu olhar, que já era profundo, estava mais ainda. Parecia que me atravessava, como se eu fosse transparente e, em volta dele tudo estava muito silencioso, as folhas, galhos, ramos, estáticos, pareciam borrados enquanto só a figura do Mocho era nítida, como eu nunca tinha visto.
Sem sequer mexer o bico, suas palavras ecoaram na minha cabeça:
-- Não se assuste, Ding, é assim mesmo.
-- O que? Balbuciei.
-- Chegou a hora do Natal, siga-me.
E voou um voo estranho, sem o bater de asas, sem sequer abri-las, passou por mim flutuando. Passou por mim literalmente, atravessando meu corpo, o galho onde eu estava e tudo mais.
Voei rápido atrás dele e senti que não precisava fazer esforço como seria o normal.
Chegamos quase que instantaneamente àquela clareira onde eu conheci Os Males, lembra? *
Estava vazia.
Mocho parou no ar, flutuando sobre a pedra grande, girou ao mesmo tempo que seu corpo acendia e as estrelinhas douradas do seu manto, agora muito azul emitiam mais luz; e pousou suavemente na pedra.
Eu sabia, instintivamente, que deveria pousar na pedra menor, em frente, e, dali, assisti à cena de seu pouso suave e silencioso. Sua voz, agora mais profunda ecoou na minha cabeça:
-- Ding!
Abri ainda mais meus olhos e fiquei esperando. Apesar da estranheza da situação, eu estava muito tranquilo, achando tudo lindo.
-- É chegada a hora de você receber sua última lição como um simples passarinho. Todas as provas mostraram que o amor que guia seu coraçãozinho te tornaram digno de evoluir. Agora, depois de conhecer o funcionamento do mundo e saber que tudo, tudo no mundo, manifestado ou não para as capacidades dos sentidos, tanto humanos quanto animais - que são, em geral, mais apurados, tudo, repito, evolui.
-- Estas pedras mesmo, onde estamos pousados, evoluem lenta e determinadamente. Continuou.
-- As árvores cujas folhas parecem congeladas sem o vento, a grama, estas belas florinhas que enchem este ambiente com seu perfume suave, mesmo o mato, estão vivos como as pedras, olhe!
Olhei! E vi, como nunca tinha visto antes, as pedras pareciam vivas mesmo imóveis, havia movimento de pulsar de minúsculas partes dentro delas.
-- Sim, Ding! A voz reboou na minha cabeça. -- Estão vivas, as pedras. O que você vê são os movimentos dentro dos átomos. Um dia, num futuro que não se pode precisar, você conhecerá os conceitos desse movimento contínuo e imortal.
-- Observe as plantas!
Olhei com mais força e vi cores e luzes expandindo para fora das folhas, riozinhos de luz correndo dentro delas, mesmo na mais ínfima folhinha de grama a vida era igualmente pulsante e poderosa. Meus olhos pareciam esbugalhados com tanta beleza. Vira tanto esses seres e nunca enxergara assim, tão vivos. Mesmo as folhas das árvores não mais pareciam congeladas, mas pulsantes, moviam-se de modo que eu podia até adivinhar seu prazer em estarem vivas, manifestando sua luz.
A majestade das árvores as tornava mais altas, corriam rios luminosos dentro delas, pelo tronco, aos galhos, ramos, folhas e uma luz ultrapassava seus contornos. Aí, pude ver sobre a árvore que estava mais à frente, um belo ser luminoso e reconheci ser uma dríade *.
-- Há mais, Ding! Trovejou a voz do Mocho.
-- Os animais, que também evoluíram desde o reino mineral e vegetal, continuam evoluindo. Dentro de cada espécie, uma alma-grupo existe. Você se conecta com essa alma do grupo a que pertence todo o tempo, sem ter consciência. A isso os humanos chamam de instinto. Veja!

E eu vi! Vi, cheirei, senti o gosto, senti os medos e alegrias, as sensações em minhas patinhas das rugosidades de todos os tipos de galhos, pedras, areia, terra onde todos os papagainhos tocaram em todos os tempos. Aquilo que eu fazia naturalmente agora me chegava com sensações. Percebi porque eu sentia medo de corujas e outros predadores, era como se eu estivesse revivendo os sofrimentos por que passaram todos os meus ancestrais, eu via e sentia!
Vi e entendi como nunca antes tinha percebido. Vi humanos colocando seus dedos para que eu subisse, não era eu, mas era. Senti aquela mesma sensação de segurança e carinho que eu tive pelo meus humanos, na pele daqueles pássaros que eu vivia agora. Um turbilhão! Meu coraçãozinho transbordava.

-- É, Ding! Há mais! Falou o Mocho.
-- Depois de tanto sentir, vem a compreensão, nasce a mente, que já era semente em você. Agora, que você sentiu tanto, percebeu tanto, receberá a mente.
-- Como? Balbuciei. (Nossa! eu não falei, mas pensei e, sem sequer abrir o bico, meu "como?" reverberou fora de mim, eu pensava!)
-- É o Natal! E o Espírito do Natal virá entregar sua mente.
Aquelas palavras pareciam anunciar a entrada de um convidado especial em uma cerimônia muito importante. Comecei a sentir novamente aquela mesma sensação deliciosa que sentira quando conheci os Males ali mesmo naquela clareira. A mesma nuvem rosada tomou conta do ambiente, um perfume inebriante rescendeu no ar. A luz dourada que já conhecia subiu como uma plantinha que nasce do chão, e transformou-se no mesmo ser que eu já tinha visto antes, com seu manto de luz e a luz intensa muito branca no lugar do seu rosto.
-- É o Amor! Falei, desta vez abrindo demasiadamente meu bico.
-- Eu Sou! Falou o Amor. Eu Sou em você agora.
-- EU SOU O QUE O CRIADOR É. LOGO:
EU SOU O AMOR NESTE SER.
EU SOU A ENERGIA NESTE SER.
EU SOU A CARIDADE NESTE SER.
EU SOU O EQUILÍBRIO EM CADA SER.
EU SOU A SAÚDE EM CADA SER.
EU SOU DEUS EM AÇÃO NESTE SER.

Fiquei estático enquanto aquela sensação penetrava em meu ser. Aquelas palavras, ainda incompreensíveis pra mim, ecoavam.

O Mocho, agora ao meu lado, sorria.
-- Ding, este é o seu Natal. Quando evoluímos nos tornamos a manjedoura onde vem nascer nossa individualidade. Agora você não está mais vinculado. Sua alma é única e vai evoluir separadamente. A partir de agora sua mente existe e vai achar que está separada do Amor, este Eu Sou que lhe pertence. Você está conectado agora à Fonte Original, mas vai se esquecer disso porque seu novo atributo, chamado ego, vai desenvolver uma maneira de se portar chamada egoísmo, que vai trazer muitas provas e sofrimentos e, vida a vida, vai te trazer de volta a esta clareira e à compreensão de que aquele que aqui nasceu em você hoje é uno com você, como ele mesmo disse: Eu Sou em você.
-- Você vai esquecer disso, repetiu. Vai esquecer, mas vai lembrar algumas vezes. Vai sentir um vazio em você e isso fará com que você, durante muitas eras, procure fora de você, em outros e em outras coisas, objetos, em ideias, aquilo que na verdade estará sempre em você, apesar de sua mente que agora debuta levar você a acreditar que Ele, seu Eu interior, está se-pa-ra-do de você. Mesmo alguns humanos te farão pensar que eles são Ele ou Seu representante e você acreditará. Ainda assim, você terá momentos de dúvida e voltará para seu Eu verdadeiro, ainda que ache que ele está separado de você. Isso se chama oração.

Eu acompanhava todas essas palavras com uma percepção diferente, entendia isso e me intrigava apenas a insistência do Mocho de que eu ia me esquecer disso. Eu não ia. Sabia que não ia. Mas, mesmo assim, tinha que acreditar nele.

-- Ding! Continuou Mocho. Como antes você estava conectado a uma alma-grupo, agora seu novo veículo te faz conectado com a Mente Universal. Existe uma matéria pensante da qual todas as coisas são feitas, e aqual, no estado original, penetra e preenche todos os interespaços do Universo. Um pensamento, nessa substância, produz a coisa imaginada pelo pensamento.

Eu me lembrava de já ter ouvido isso numa das lições dos humanos. Agora eu compreendia. Parecia que agora podia ver com outros olhos o que antes parecera tão difícil de entender.

-- Nesta hora, continuou Mocho, você recebeu uma nova faculdade junto com a posse da mente individual. Isso se chama Livre Arbítrio. Significa que a partir de agora você pode fazer tudo o que quiser, tudo mesmo. Nem mesmo o instinto que antes te dirigia e te ligava a um grupo dos passarinhos agora pode interferir. Nem mesmo um conjunto de pensamentos e imagens que você vai criar, chamado de Princípios, poderá interferir nas suas decisões.
-- Sim, agora, seu Livre Arbítrio passa a ser a lei e todas as suas ações serão baseadas em suas Decisões. Agora, e em diante, tudo o que você Decidir fazer, ser, pensar, agir, imaginar, querer, desejar serão de única e definitiva responsabilidade sua. Para cada ação, pensamento, desejo seu corresponderá uma responsabilidade pelos efeitos que essas causas causarem no ambiente, nos seres, nos humanos e na Mente Universal, seja para o bem, seja para o mal. Isso se chama Carma. Cada ação, pensamento, sentimento, desejo e suas respectivas responsabilidades serão registradas em sua mente e, paulatinamente, em função daquilo que elas provocaram, produzirão condições, situações e ações reativas dos meios onde você funcionar, que poderão ser de prazer ou de dor, de culpa ou contentamento, de alegria ou de tristeza, de acordo com a natureza das causas.

Eu acompanhava essas explicações sem medo porque o Amor ainda estava presente, apesar de eu sentir aquele calor e aquela luz dentro de mim.

-- EU SOU O CAMINHO, A VERDADE E A VIDA. NINGUÉM VAI AO PAI SENÃO POR MIM. Reverberou aquela voz dentro de mim.

-- É, Ding! Falou o Mocho novamente, como para explicar. Há mais, além da mente. Há mais, depois que você compreender e empreender sua evolução individual. São os chamados Mistérios, que já mencionei em outras vezes. A seu tempo, cada coisa, cada lição.
Tudo o que você empreender daqui para frente serão lições. Te levarão para longe de seu entendimento da Unidade, mas te trarão de volta, através das consequências de seus atos, pensamentos, sentimentos e desejos. Esse processo se chama desapego. Mas você vai esquecer. Depois vai lembrar.

Ainda, a sensação estava presente. Eu me sentia flutuar quando tudo foi voltando ao costumeiro, o vento voltou a balançar as folhas das árvores enquanto aquela presença ia se esvaindo, como que evaporando, o ar em volta foi descolorindo do seu tom rosado, o perfume ainda evolava à nossa volta, mas mais fraco, dissolvendo-se na atmosfera. Apesar de não ver mais o Amor, eu sentia sua presença, como nunca sentira antes.

-- Já está fazendo efeito, seu ego. Falou Mocho, agora da maneira usual, pelo seu bico sorridente. Suas penas voltaram à cor normal e aquele seu jeito astuto e gozador estava de volta. Perdera a cerimônia.

-- Mocho! Falei. Que aconteceu? Eu estava estupefato.
-- Feliz Natal! Respondeu ele sorrindo.


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terça-feira, 4 de outubro de 2011

São Chico


Voltei! Fui passear em outras paragens nas minhas voanças pelo aquém do além.
Encontrei uns humanos vestidos de marrom e com um corte de cabelo esquisito. Achei que estava de volta à terra da matéria densa, mas depois vi que não era bem isso.
Esses humanos que eu vi estavam trabalhando, ajudando outros humanos.
Eles sorriam pra tudo e todos e pareciam felizes em sua faina, abraçando os desvalidos da sorte, andrajos, dando-lhes coragem e alimento.
Perguntei a um deles o que estavam fazendo ali. Trabalhando, respondeu.
-- Trabalhando em que?
-- Na obra de nosso querido S. Francisco, ajudando os necessitados, doentes, carentes de amor do próximo, caídos.
-- Obra? O que vocês estão construindo?
-- Dignidade.
-- Quem é esse Francisco?
-- Aquele cuja imagem você usa no seu blog.
-- Quem? Aquele santinho?
-- Sim, ele mesmo!
-- Eu gosto dele!
-- Eu também! Tenho aprendido muito com ele sobre o Amor.
-- Onde eu posso encontrá-lo?
-- Além do meu coração e dos outros devotos? Não sei, acho que ele tá presente em todo humano que ajuda outro humano e que ama os animais.
-- Uau! Eu queria fazer uma entrevista com ele pro meu blog.
-- Olha, passarinho, você pode encontrá-lo pensando nele, fechando seus olhinhos e fazendo a oração dele.
-- Que legal, você me ensina? Eu ainda não sei pensar, mas já aprendi o que é imaginar.
-- Ensino sim, mas pode ser outra hora?
-- Pode. Mas, me diga, por que você usa essa roupa?
-- É nossa identidade, mostra que somos da Ordem de S. Francisco, somos frades.
-- Sei. Mas, por que você falou sobre o Amor? O que você aprendeu?
-- Você já ouviu falar dos mandamentos, conforme os católicos?
-- Não, o que é?
-- São mandamentos que o Senhor entregou a Moisés para que ele entregasse aos humanos.
-- Ah! (Cara de ué)
-- O primeiro mandamento, ordem, diz que devemos "Amar a Deus sobre todas as coisas"
-- Como assim?
-- Eu pensava que seria amar a Deus, antes de amar outros humanos ou outros seres, mas, pensando em como S. Francisco demonstrava em seus atos, aprendi que é amar a todas as coisas como divinas, como tendo Deus nelas. Amar as pessoas e os seres todos porque são criaturas de Deus e têm Deus nelas, mesmo que elas não saibam disso ou nem queiram saber.
-- Entendi. Por isso imagens do S. Francisco tem uns passarinhos nos ombros?
-- Sim, porque ele era santo, antes de ser santo ele era manso de coração e os animais reconhecem os humanos mansos e não tem medo.
-- Interessante. Eu sou passarinho e nunca tive medo de humanos.
-- Sim, mas você era domesticado, os passarinhos que vivem soltos na Seara do Senhor tem medo de humanos.
-- Como é que você sabe que eu era domesticado?
-- Se não fosse não estaria aqui falando comigo, além disso, li num blog. Rêrêrê!
-- Kikiki! (Eu ri, mas não entendi a piada) Mas, me fale mais desse Santo, eu gosto dele!
-- Eu sei! Todo mundo gosta. Ele nasceu numa cidade chamada Assis lá pelo século doze e viveu uns quarenta e poucos anos. Era filho de um homem rico e foi acostumado com as coisas materiais à vontade e também era ambicioso.
-- Então ele não nasceu santo?
-- Ninguém nasce santo, torna-se! Mas sua santidade foi adquirida com o sofrimento, depois que ele foi pra uma guerra, voltou diferente. Gastou o dinheiro do pai pra ajudar os pobres e seu pai o deserdou.
-- Deserdou?
-- É! Naquele tempo acontecia muito isso, de deserdar. Pois Francisco, que recebeu esse nome porque seu pai gostava muito da França, acabou pobre como os pobres que ele ajudava.
-- Coitado!
-- Que nada, acho até que ele gostou, pois daí em diante, aceitou muito bem sua nova condição naquela sociedade e voltou-se para Deus e compreendeu que Ser era mais importante que Ter. Passou a ajudar muito mais os pobres e os leprosos.
-- Quem eram os leprosos?
-- Naquele tempo, uma doença chamada Hanseníase acontecia muito e por ser contagiosa ao contato, os portadores dessa doença, chamada também de lepra, causavam nojo e preconceito nas pessoas e os leprosos eram pareados, separados e abandonados. Não podiam se aproximar das outras pessoas, inclusive aquelas que elas mais amavam, pois, além de serem rejeitadas, se se aproximassem poderiam ser mortas.
-- Nossa, quanta crueldade.
-- É, passarinho. Mas Francisco até beijou um leproso em sinal de amizade. Ele tinha uns 25 anos, então.
-- Então?
-- Então, quando foi deserdado, aceitou sua nova condição, renunciou definitivamente aos bens materiais e dedicou-se totalmente à vida religiosa. Fundou a Ordem dos Frades Menores e a Ordem Terceira.
-- Quanta ordem!
-- Ordem e progresso. Rêrêrê! Hoje, chamamos a Ordem dos Franciscanos, aqueles que seguem os princípios de Humildade, Simplicidade e Justiça para com todos e fazemos voto de pobreza, castidade e obediência.
-- Puxa, quanta coisa, mas, o que significam esses princípios?
-- Assim, ó! Humildade significa acolhida para escutar. Quem abre os sentidos para perceber o maior e o melhor não tem medo de obedecer e mostra lealdade a um grande projeto. Simplicidade é valor de quem sabe colocar tudo em comum, é a coragem da partilha. Justiça é transparência, castidade, verdade. É revelar o melhor de si.(*)
-- É preciso muita coragem mesmo.
-- Muita, passarinho. É uma opção de vida mesmo.
-- Puxa! Não sabia porque eu gostava tanto desse santo, agora eu sei.
-- É, querido, nós aprendemos com ele tudo isso e, principalmente, amar a Deus "sobre" todas as coisas.
-- Muito difícil pra mim, entender isso ainda.
-- Não se preocupe com isso, deixe que sua vida lhe conduza, como sempre foi. Um dia você entenderá.
-- Obrigado pela aula, seu Franciscano.
-- De nada, passarinho. Mas tome, fique com este papel, aqui tem a oração de S. Francisco.
-- Obrigado.

Sem saber o que fazer com aquilo, trouxe comigo e mostrei pro sábio Mocho, que leu:

Senhor: Fazei de mim um instrumento de vossa Paz.

Onde houver Ódio, que eu leve o Amor,

Onde houver Ofensa, que eu leve o Perdão.

Onde houver Discórdia, que eu leve a União.

Onde houver Dúvida, que eu leve a Fé.

Onde houver Erro, que eu leve a Verdade.

Onde houver Desespero, que eu leve a Esperança.

Onde houver Tristeza, que eu leve a Alegria.

Onde houver Trevas, que eu leve a Luz!

Ó Mestre,

fazei que eu procure mais:

consolar, que ser consolado;

compreender, que ser compreendido;

amar, que ser amado.

Pois é dando, que se recebe.

Perdoando, que se é perdoado e

é morrendo, que se vive para a vida eterna!

Amém

(*) Ordem dos Frades Menores

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

A Morte


Depois da experiência mística do último post, fiquei ainda uns dias inebriado por aquele perfume e nem consegui responder à pergunta do Mocho.
Encontrei meu sábio amigo encarapitado no seu galho preferido, observando a passarada e de onde costuma dar seus conselhos e ensinar os privilegiados, como eu.
-- Olá Mocho! Andei pensando na sua pergunta do outro dia
-- E a que conclusão chegou, Ding?
-- Que eu, imagino que todos os passarinhos são assim, sempre vivi numa espécie de contentamento com a vida e nunca tinha me dado conta.
-- Como assim?
-- Tipo assim! Eu só sentia que tudo sempre dava certo e que sempre teria carinho, que a vida é sorriso e alegria todo o tempo, que meu potinho de sementes sempre estaria cheio, que sempre haveria água fresca pra beber e tomar banho e nunca, nunca tinha pensado nisso. Eu só sentia.
-- É verdade, quando você adquiriu direitos de se humanizar começou a pensar.
-- Uau!
-- Ding, que não nos ouçam os gansos e patos, mas, mudando de pato pra ganso, você viu quem está ali na biblioteca?
-- Nossa! Que figura estranha, parece um esqueleto vestido com um manto negro, quem é?
-- É a Morte!
-- Credo Mocho! Arrepiei aqui e meu coraçãozinho deu um pulo! Que medo!
-- Medo de que, pasarinho? Você já morreu. Por que não vai lá conversar com ela. Ela é muito sábia.
-- Mais sábia que você, Mocho?
-- Mais, muito mais. Acho que você vai curtir o papo.
E lá fui eu, certo que já estava morto porque o Mocho falou e na vida depois da morte ninguém pode temer a Morte. Cheguei de mansinho, minhas brilhantes penugens da nuca ainda em pé, o coração e outro negócio apertadinho, criando coragem, perguntei:
-- Olá! Você é a Morte?
-- Não, propriamente, mas uma forma pensamento muito forte criada pela medrosa mente humana. Respondeu com uma voz lúgubre que ecoava por dentro.
-- Nossa, sua voz treme a gente por dentro!
-- Não se impressione, serzinho azul, fui assim criada.
-- Mas quem criou uma coisa tão feia como você?
-- Hehehe! Você tem pena mas não tem dó, héin?
-- Kikiki!
-- Quem me criou foi o medo, respondeu a Morte
-- Medo?
-- Sim, os humanos, principalmente os ocidentais tem muito medo de mim.
-- Por que?
-- Porque os humanos tem medo do desconhecido. Vivem a vida fingindo que eu não existo e quando morre alguém que eles conhecem, eles ficam tristes e medrosos, mas mesmo assim, por causa do medo, imaginam que isso nunca vai lhes acontecer.
-- O que?
-- A morte, uai!
-- Uai, você é mineira? Kikiki
-- Não, eu sou universal, estou em todos os lugares e com todos os humanos.
-- Não tem uma versão sua pros passarinhos?
-- Não!
-- Uai, sô! Se não tem, por que os passarinhos morrem?
-- Ôxi! Eles morrem mas não tem o mental. Deixe-me explicar!
-- Os humanos tem a mente, o mental desenvolvido, coisa que os passarinhos e outros animais não tem e é dessa mente que se cria o pensamento e o pensamento cria forma. Disse a Morte.
-- Tá, isso eu já sei, mas como?
-- Existe uma matéria pensante da qual todas as coisas são feitas, e a qual, no estado original, penetra e preenche todos os interespaços do Universo. Um pensamento, nessa substância, produz a coisa imaginada pelo pensamento. O homem pode formar coisas no pensamento e, imprimindo esses pensamentos na substância informe, pode fazer com que a coisa pensada seja criada.*
-- Nossa! Então foi assim que os humanos criaram você?
-- Sim, eu sou um Mito.
-- Ah! Já conversei com vários mitos aqui mesmo nesta biblioteca.
-- É, eu soube!
-- Como soube?
-- Li num blog.
-- Ah!
-- Bom, como eu ia dizendo, os humanos criaram uma figura para representar a morte, por puro medo, um medo besta, já que todos eles vão morrer.
-- Mas por que tem que morrer?
-- Porque morrer faz parte da vida.
-- Uai! Vida e morte não são opostos?
-- Claro que não, passarinho, você não morreu e continua vivo, aqui, falando comigo?
-- É mesmo!
-- Então, morte é o oposto de nascimento, a vida transcende a tudo isso. Todos os seres que tem corpos para atuarem na região da Terra, nascem e morrem, e depois nascem e morrem de novo.
-- Inclusive os passarinhos?
-- Inclusive, mas com uma diferença, os humanos seres têm uma estrela e a mente, que os faz nascer e morrer para adquirir experiência, que, com o tempo, vão se tornar conhecimento, que, com o tempo, vai se transformar em sabedoria e essa sabedoria vai fazer com que eles compreendam que existe essa estrela dentro deles, o que, com o tempo, vai fazer com que eles se unam a essa estrela e que, com o tempo, se transformem nessa estrela e isso faz com que eles se tornem eternos e os livra da roda de nascimentos e mortes.
Nesse momento eu senti de novo aquela sensação de paz da minha experiência mística.
-- Puxa! Exclamei. Que difícil
-- É!
-- Ô Morte, morrer dói?
-- Você sentiu dor quando morreu?
-- Não lembro.
-- Pois é, quando for humano vai lembrar.
-- Enigmática, você, hein? Kikiki
-- Não, deixe-me explicar. Aquela estrela de que falei tem uma memória que vai guardando as experiências humanas em suas passagens pela Terra da matéria densa.
-- Tipo assim, um HD?
-- Sim, tipo assim, só que quando morre, o humano revê tudo o que passou, pensou, viu, achou que viu, sentiu, ouviu, enfim, tudo o que os seus cinco sentidos registraram; e esse momento serve para levar para essa memória todas as experiências, verdadeiras e falsas, assim fica tudo registrado.
-- Já sei! Eu ouvi uma palestra falando disso. É um upload!
-- Deve ser! Mesmo assim o homem teme a morte, mais que isso, teme o desconhecido do momento da morte.
-- E como é esse momento?
-- Olhe que interessante, passarinho: Dois humanos escreveram livros onde descrevem esse momento. Um deles, chamado Ernesto Bozzano, um espírita italiano, escreveu um livro chamado "A Crise da Morte", onde, através de perguntas feitas em sessões espíritas, ele entrevistou humanos mortos que contaram como foi a passagem.
-- Outro, continuou, chamado Dr. Raymond Moody, um jovem médico, escreveu Vida Depois da Vida: A Investigação do Fenômeno de Sobrevivência à Morte Corporal, onde também entrevistou humanos que passaram pela chamada experiência de quase-morte e voltaram para contar a história. Tanto um livro quanto o outro relatam as mesmas coisas.
-- Nossa! Que coisas?
-- Já conto, antes deixe lhe dizer que um livro foi escrito em 1930 e o outro só em 1975. Então, os relatos são muito semelhantes:
  1. Ouvir um zumbido nos ouvidos;
  2. Um sentimento de paz e ausência de dor;
  3. Ter uma experiência fora do corpo;
  4. Sentir-se viajar dentro de um túnel;
  5. Sentir-se subir "pelos céus";
  6. Ver pessoas, principalmente familiares já falecidos;
  7. Encontrar seres espirituais, por vezes identificados como sendo Deus;
  8. Ver uma revisão do decurso da própria vida, desde o nascimento até à morte;
  9. Sentir uma enorme relutância em regresso à vida.
-- Nossa, que legal!
-- Pois é! E há muitos registros humanos interessantes sobre a morte, inclusive o Bardo Thödol, ou, mais conhecido como o Livro dos Mortos Tibetano.
-- Olha, Morte, perdi o medo de você!
-- Sim, passarinho, mas você vai esquecer, depois vai se lembrar disso de novo.
-- Ora, vivem me dizendo isso e eu ainda não entendi.
-- Pergunte ao Mocho!
-- Óquêi! Vou perguntar. Antes queria saber por que você carrega essa foice aí.
-- Não é foice, é um alfange, foi assim que me imaginaram, com esta ferramenta que serve para ceifar o trigo, como se existisse um Ser que ceifasse a vida dos humanos.
-- Humm, tá! Então, obrigado e tchau Morte!
-- Tchau!



(*)Ciência de Ficar Rico - Wallace D. Wattles
Obs: Na figura, criação do fabuloso Maurício de Souza.